A Dificuldade em se Produzir Softwares de Entretenimento no Meio Universitário

Gustavo de Castro Linzmayer é estudante de Imagem e Som na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), participou do desenvolvimento de três jogos na parte de concepção e programação e, também, estuda o assunto.

Há muito tempo os jogos digitais fazem parte do cotidiano da maior parte das pessoas, especialmente os jovens, das classes médias e ricas da maioria dos países do mundo. No começo os games eram instalados em máquinas de Arcade (fliperama), fixadas em estabelecimentos comerciais. Com o tempo surgiram os consoles caseiros de vídeo-games e os micro-computadores. Com isso, não só o hábito de jogar, mas a compra de cartuchos, CDs e DVDs de jogos passou a ocupar uma importante posição nos produtos da indústria cultural. Assim, os vídeo-games tornaram-se um marcante elemento da cultura contemporânea: roupas com imagens de jogos, filmes baseados em jogos, influências nas artes plásticas, concertos executando versões orquestradas de músicas de vídeo-games e uma série de influências para além do próprio hábito de jogar.

Em 1996 a DigiPen, fundada em 1988 no Canadá, inicia um curso de bacharelado em Simulação Interativa em Tempo Real. Em 1998 a DigiPen transfere-se para os E.U.A. Portanto, os vídeo-games passam a ser tema univesitário. Não só games são produzidos dentro das universidades como são focos de estudos em diversas áreas. No Brasil, em 2003, a Universidade Anhembi-Morumbi passou a oferecer um curso de graduação voltado para o design de games. Podemos constatar, assim, que há interesse da iniciativa privada em que o Brasil não esteja atrasado na produção universitária de games. Devemos levar em conta as limitações locais: temos um grau de exclusão social muito maior que os países de primeiro mundo e, portanto, um mercado consumidor mais restrito aos jogos. Temos, também, um menor número de empresas produtoras de games, dependendo de estímulos de empresas estrangeiras, como, por exemplo, a Ubisoft, que teve uma representação no Brasil de 1999 a 2003 e voltou a se estabelecer em São Paulo em 2008.

Paralelamente à tendência da produção de jogos de entretenimento nas universidades e a formação de técnicos especialistas nesse ramo da indústria surge uma nova tendência: os games alternativos. Já há bastante tempo em que softwares de programação são acessíveis aos computadores domésticos e a possibilidade de produção caseira de vídeo-jogos está dada. Porém, há fatores determinantes no aumento dessa produção. Exemplos deste quadro são a popularização da Internet e o surgimento de ferramentas com facilidades visuais para a criação de jogos, como o Mugen, o RPG Maker e o Macromedia Shockwave Flash. Com esses recursos surgem novas tendências no mundo dos games, algo até então pouco explorado pela indústria cultural: jogos críticos – que questionam a sociedade e a questão da alienação no conteúdo da produção industrial da maioria dos games – jogos com estilos gráficos e sonoros diferenciado – que buscam experimentar formas e traços mais característicos, agregando novas possibilidades de elementos artísticos nos games – jogos com enigmas diferenciados e complexos – com experimentações em novos modos de se utilizar os controles digitais e a interatividade – entre outros. Com esse fenômeno os games passam a atrair, dentro das universidades, não somente bacharéis especialistas na área mas, também, estudantes de artes plásticas, audiovisual, cientistas da computação e de outras diversas áreas. Passa-se a conceber a criação de alguns jogos como arte, frente à produção industrial de entretenimento. Os jogos das grandes empresas passam, também, a assimilar e a sofrer influência dos jogos independentes. As diferenças nos recursos disponíveis, no conteúdo, na forma, nos meios de reprodução e de distribuição entre os jogos das grandes empresas e os jogos independentes, tornam o fruir desses dois modos de produção também diferentes. Na produção industrial há, historicamente, um grande dispêndio de esforços em torno do aumento do realismo físico. Há um grande interesse no mercado em simulações, no poder de se sentir em um épico heróico, em uma grande guerra, em uma perseguição policial, em uma corrida de carros e nas mais diversas situações. Já a produção independente, tanto a caseira quanto a universitária, raramente possui recursos materiais e humanos (em termos de quantidade de pessoas envolvidas) para buscar esse mesmo objetivo, tendo que buscar se diferenciar de outras maneiras, como, no exemplo já citado, pela estilização da imagem. Para analisar outra diferença, recorramos a uma comparação com a produção de filmes: assistir a um filme na televisão é uma experiência totalmente diferente de assistir a um filme no cinema. No cinema a imagem é exibida em um telão que tende a ser o objeto de maior atenção no ambiente, tanto pelo espaço que ocupa quanto por ser o objeto com maior intensidade luminosa. Ver um filme no cinema é um ritual social: as pessoas vão a um lugar específico para usufruírem da experiência cinematográfica, pagam para isso e, juntas, compartilham da experiência em uma mesma sala. Ver um filme na televisão é outra experiência: a televisão é um eletrodoméstico, está, geralmente, rodeada por outros objetos domésticos e, assisti-la faz parte dos hábitos cotidianos de grande parte da população global, comumente dividindo a atenção com outras atividades cotidianas. Um  filme na televisão penetra no cotidiano das pessoas e perde o caráter ritual que o cinema possui. Essas diferenças fazem com que filmes produzidos para a televisão sejam diferentes de filmes produzidos para o cinema. De maneira análoga, podemos detectar essa qualidade de ritual social nos jogos comerciais: além da maioria dos consoles serem fabricados com capacidade para ser controlado por várias pessoas simultaneamente, para que os jogos se tornem vendáveis é necessário que sua qualidade faça jus ao interesse do comprador: não pode ser um jogo que se termine em poucos minutos. Deve haver uma riqueza nas possibilidades de experiência, cada vez que se joga é outro jogo, deve haver grandes desafios, histórias envolventes, que façam com que o consumidor tenha vontade de dar continuidade a trama depois de jogar e, em outro momento, volte a jogar. Já os jogos independentes são usufruídos em um contexto completamente diferente: o custo para lança-los em CD no mercado dificilmente é viável e, mesmo sendo, não há grandes expectativas de retorno, pois há outras limitações como a divulgação. Esses jogos estão, em geral, disponíveis para serem baixados na Internet gratuitamente. Muito deles, especialmente os desenvolvidos em Java em Flash são exibidos no próprio navegador. Deve-se lembrar que os computadores são fabricados como ferramentas de trabalho, de comunicação e, só secundariamente, são ferramenta de entretenimento. Desse modo, por poder contar menos com um ambiente de entretenimento, os produtores de games independentes devem se lembrar que os usuários desses games estarão menos dispostos aos grandes épicos e aos grandes games de duração. De fato, a maior parte dos jogos caseiros e universitários têm sua duração bastante reduzida se comparados aos jogos comerciais. Além das limitações técnicas, podemos sim, levantar a questão da fruição como uma causa para isso. De modo grosseiro podemos traçar outra analogia: os jogos comerciais estão para o romance assim como os jogos independentes estão para a crônica. Dessa forma, os jogos independentes se tornam muito mais propensos a trabalhar as temáticas cotidianas, os momentos, situações específicas.

Para produzir esses jogos não é necessário possuir uma equipe muito grande. Na minha própria experiência foi possível desenvolver um jogo sem uma equipe, apenas utilizando os recursos do Macromedia Shockwave Flash, alguns arquivos de bitmap e jpeg e sons de bancos de domínio público disponíveis na Internet. Há experiências diversas pelo mundo de equipes bastante reduzidas. Há, com a solidificação da criação independente de vídeo-jogos, tendências de se formarem células de produção com funções razoavelmente definidas: um programador, um designer de imagem e um designer de som, podendo a equipe contar ou não com um coordenador além dessas funções. Geralmente a direção e a roteirização são feitas por membros da própria equipe que exercem uma das funções citadas. Para a produção universitária considero altamente desejável que essas funções, de roteirista e diretor, sejam destrinchadas para pessoas voltadas somente a isso. Em primeiro lugar porque isso possibilitaria a introdução de bons roteiristas e diretores na área de games sem a necessidade de serem especialistas em design gráfico, sonoro ou programação. Em segundo porque essa é uma boa oportunidade para o desenvolvimento de formas próprias de roteiros de games, pois, quando o roteiro é escrito pela própria equipe há uma necessidade muito menor de se traduzir uma concepção para um plano de game inteligível para um grupo qualquer de desenvolvedores, já que a idéia e o plano são diretamente feitos pelas equipes.

Há interesse, dentro das universidades, tanto de estudantes das diversas áreas da computação, como de estudantes de diversas manifestações de arte, de usarem seu conhecimento para a criação de jogos, bem como a necessidade recíproca dos diversos setores: um artista provavelmente precisará de um bom programador para conseguir materializar sua idéia em game, bem como é bastante desejável que haja uma boa qualidade visual, sonora e, sobretudo, uma boa colocação dos recursos de linguagem, o que torna interessante aos programadores a participação de especialistas nessa área no desenvolvimento dos seus games. Em minha própria experiência, na tentativa de desenvolver um jogo como trabalho curricular durante a graduação de Imagem e Som na UFSCar, não obtive sucesso na procura da participação de alunos de ciências e engenharia da computação. Uma causa importante que posso apontar é a ausência de um interesse real dos alunos da computação, visto que se tratava de um projeto para a grade apenas de um curso: Imagem e Som. Portanto, é importante que as faculdades possibilitem a estruturação de projetos interdisciplinares. Os games são bons exemplo de produtos em potencial de desenvolvimento universitário que somente são viáveis rompendo-se as barreiras entre os especialistas de áreas diversas.

Outro problema importante para a reflexão prévia a produção dos games é o público alvo. Jogos artísticos podem se tornar herméticos e só se tornarem inteligíveis ao público universitário, como acontece com muitos filmes e obras de artes plásticas desenvolvidos nas universidades. Também é importante ressaltar que os jogos não tem a mesma generalidade de um filme: para reproduzir um DVD basta ter um aparelho com capacidade de leitura do disco de determinada região. Um jogo pode ser desenvolvido para consoles específicos ou para computadores domésticos. Jogos para computadores domésticos, dependendo dos recursos de imagem, som, memória e processamento que utilizam tornam-se restritos a computadores com tecnologia suficiente para executá-los. Nesse sentido, surge a necessidade da reflexão dos jogos como elementos de exclusão social. Além disso, os comandos no jogo, o modo como se utiliza a linguagem audiovisual, pode ser voltado a jogadores mais habituados ou a jogadores menos habituados, o que remete, de certo modo, ao problema do analfabetismo digital no Brasil. Por fim, acredito que é de suma importância, também, a reflexão sobre o conteúdo do jogo e suas relações com a sociedade e com a cultura. De que forma devemos assimilar ou rejeitar os conteúdos impostos pela indústria cultural?

No meu blog podem ser encontrados materiais (jogos, textos, roteiros) que procuram trabalhar essa questão:

http://breezegames.blogspot.com/

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Este post tem 2 comentários

  1. Author Image
    Meire

    Mr.breeze,apesar de não estar mt familiarizada com o assunto,despertou minha curiosidade.Estarie atenta aqui pra frente.

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