Ricardo Damasceno, Maylson Gonçalves, Manoel Ribeiro.
Universidade Federal do Pará, Instituto de Tecnologia, Laboratório de Realidade Virtual
ricardordm@yahoo.com.br eng.maylson@gmail.com mrf@ufpa.br
1. Introdução
Durante muito tempo no processo educacional, o aluno foi um agente passivo da aprendizagem e o professor um mero transmissor de conhecimento. Nesse contexto, confundiam-se os termos “ensinar” e “transmitir”. A idéia de um ensino despertado pelo interesse do aluno transformou o sentido do que se entende por material pedagógico. Seu interesse passou a ser a força que comanda o processo da aprendizagem e o professor um gerador de situações estimulantes e eficazes. É nesse contexto que os jogos educativos ganham um espaço como ferramentas de aprendizagem, na medida em que propõe estímulo ao interesse do aluno. O jogo ajuda-o a construir suas novas descobertas, desenvolve e enriquece sua personalidade e simboliza um instrumento pedagógico que leva o professor à condição de condutor, estimulador e avaliador da aprendizagem.
O desenvolvimento de jogos eletrônicos é ainda encarado por uma parte da esfera acadêmica como uma atividade simples e fácil, além de ser considerado supérfluo, pois, diferente de softwares tradicionais, um jogo, em geral, não visa solucionar um problema ou automatizar uma tarefa. Felizmente os pesquisadores da área de educação e de tecnologia estão enxergando nos jogos digitais uma forma de alcançar os alunos do ensino fundamental e médio, alunos que nasceram na Era da informação. Dessa forma, muitos pesquisadores passaram a buscar recursos que permitem melhorar a qualidade destes softwares, rompendo com o histórico de que os jogos educacionais são “chatos”, sem desafios e de baixa qualidade gráfica, e que ao invés estimular o alunado a aprender, acabam por afastá-los. Esse interesse da comunidade acadêmica em jogos tem crescido fortemente nos últimos anos, o que pode ser demonstrado pelas múltiplas ocorrências de estudos e projetos desenvolvidos em universidades de diversos países por equipes integrando pesquisadores e professores de diferentes áreas, envolvendo jogos em geral ou educativos aplicados ao ensino de matemática, química, História, programação, dentre outras disciplinas [SILVA, 2009].
Visando estimular a produção e disseminação de jogos eletrônicos educacionais como ferramenta instrucional, de forma a facilitar o aprendizado e aumentar a capacidade de retenção de conteúdo, a FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos) realizou a chamada pública MCT/FINEP/MEC – Jogos Eletrônicos Educacionais 02/2006. Desta chamada foram selecionados treze projetos, entre os quais o “Jogo Eletrônico Lúdico Educacional de Estratégia a Revolta da Cabanagem”, cujo foco principal é o desenvolvimento do um game eletrônico através de ferramentas livres e também a geração de uma abordagem não convencional deste fato histórico do século XIX que marcou a História do estado do Pará.
Este artigo descreve aspectos relativos ao desenvolvimento do jogo lúdico educacional A Revolta da Cabanagem, bem como suas dificuldades e possibilidades. O jogo apresenta a revolução cabana através de imagens, textos, animações, narrativas e o ambiente interativo 3D. O enredo segue a ordem cronológica dos fatos e com os desafios impostos, torna-o mais atraente e motivador.
2. Ferramentas
Uma das principais dificuldades encontradas no desenvolvimento do jogo A Revolta da Cabanagem foi desenvolver uma engine própria, pois no projeto do jogo era exigido o uso de ferramentas livres, então foi desenvolvida a game engine CabanEngine [REIS, 2009]. Completamente escrita na linguagem C++ sob o paradigma de Orientação a Objetos, a CabanEngine é um motor modular e expansível, que utiliza apenas componentes livres, tais como o motor de renderização Ogre3D [OGRE3D, 2009], as bibliotecas de áudio OpenAL [OPENAL, 2009] e FMOD [FMOD, 2009], esta última livre para projetos não comerciais; para a simulação de física utilizou-se a API (Application Programming Interface) NVIDIA PhysX [PHYSX, 2009] livre para projetos não comerciais; para a execução de scripts utilizou-se a linguagem Lua [LUA, 2009]; a biblioteca CeGUI [CEGUI, 2009] é utilizada como sistema de GUI principal e a biblioteca OIS [OIS, 2009] é utilizada para gerenciamento de input. A CabanEngine também implementa algoritmos de inteligência artificial, como o Path Finding e Finite State Machine. Além destes componentes, fez-se necessária a criação de um software Editor de Mapas, para que os mapas utilizados no jogo pudessem ser criados, editados e salvos em um formato reconhecível pela CabanEngine.
Para criação dos modelos 3D, como os avatares e prédios da Belém do século XIX, utilizou-se o Blender 3D – software livre, multiplataforma, utilizado para aplicações gráficas, oferecendo funcionalidades como modelagem, animação, renderização, pós-produção e criação 3D [BLENDER, 2009]; para as texturas foi utilizado o Gimp – editor de imagens livre, multiplataforma, capaz de tratar com qualidade uma gama de formatos de imagens digitais [GIMP, 2009].
3. Jogo A Revolta da Cabanagem
O enredo do jogo é baseado na revolução da Cabanagem, movimento separatista, acontecido em Belém e no interior do estado do Pará, logo no início do império [RAIOL, 1970]. A equipe do projeto escolheu três acontecimentos narrados por Raiol que sintetizam as causas, a guerra e os governos Cabanos. A partir desse enredo foi construído o roteiro do jogo, onde o jogador pode assumir o papel dos principais líderes da revolução, tendo de cumprir missões e objetivos relacionados com os acontecimentos seguindo a linha de tempo da História, interagindo com ambientes imersivos, e vivenciando situações lúdicas [DAMASCENO, 2008].
O jogo inicia com o Menu Principal, onde o jogador pode jogar a campanha, visualizar referências adicionais, a tela de créditos e também sair do jogo. A tela seguinte é chamada de Menu de Missões, onde o jogador pode selecionar a missão que deseja jogar, sendo-lhe apresentada uma breve introdução sobre cada fase do jogo, a fim de deixar o jogador a par do contexto histórico. No Menu de Missões também é possível configurar o nível de dificuldade.
Após escolher a missão desejada, uma breve introdução é mostrada ao jogador, geralmente lhe situando no espaço-tempo do jogo e no contexto histórico. As introduções podem ser compostas de textos narrativos ou animações pré-renderizadas (como vídeos) de fatos ocorridos na revolução da cabanagem, concernentes à fase selecionada.
Cada fase do jogo possui um inventário que pode ser exibido/escondido rapidamente por uma tecla de atalho (barra de espaço). No inventário, o jogador tem acesso às instruções relativas aos comandos do jogo e objetivos que o jogador deve cumprir para ter sucesso na missão.
A primeira fase do jogo A Revolta da Cabanagem, chamada “Conhecer Belém”, visa fazer com que o jogador conheça os principais pontos da cidade, fazendo um “tour” virtual, onde ele tem acesso às informações sobre os principais prédios da cidade, como nome, função e características.
O primeiro grande acontecimento no jogo, chamado de fase Pré-Revolucionária, inicia com a fundação da imprensa no Pará, alçada por Felipe Patroni em Maio de 1822, pouco antes da Independência do Brasil. Felipe Patroni foi preso após a publicação do primeiro número do jornal O Paraense, sendo mandado sob escolta para Portugal. Nesta fase, chamada “Fundar o jornal O Paraense”, os objetivos são: Adquirir a máquina tipográfica, tinta, papel, fundar o jornal O Paraense e entregar o primeiro exemplar para Batista Campos. Deve-se ter o cuidado para que Felipe Patroni não seja capturado pelos soldados.
O cônego Batista Campos assumiu a direção do jornal passando a ser perseguido pelos agentes do poder, onde mesmo após a independência do Brasil, continuou publicando jornais com linha editorial contrária aos governadores mandados ao Pará pelo império Brasileiro. Batista Campos se torna a principal liderança política popular. Nesta fase, chamada “Batista Campos”, o jogador deve controlar Batista Campos para pegar um bote e fugir para o interior antes que seja capturado pelos soldados.
O segundo grande acontecimento foi a Explosão do Conflito Armado, fato ocorrido na região do rio Acará em outubro de 1834. Devido aos ataques feitos por Batista Campos contra o governo, o então governador do Pará Lobo de Sousa, este manda prender Batista Campos junto com alguns de seus aliados, os quais fogem de Belém para o interior do Pará. Lobo de Sousa envia 50 soldados para a fazenda Acará-Açú, que antes ficam na fazenda Vila Nova. Comandados por Eduardo Angelim, os cabanos promovem o primeiro ataque surpresa na fazenda Vila Nova, onde matam cinco soldados e levam o restante preso para Acará-Açú.
O terceiro grande acontecimento é a Tomada do Poder pelos cabanos, fato ocorrido na madrugada de 7 de Janeiro de 1835, uma semana após a morte de Batista Campos, por motivos de saúde. Os cabanos vindos do interior tomam os quartéis, o arsenal de guerra e o forte, matando as principais autoridades, incluindo o governador Lobo de Sousa. Malcher é, então, aclamado como presidente cabano.
4. Considerações finais
Deve-se salientar que os jogos educacionais são apenas instrumentos, e não mestres, ou seja, serão úteis somente se acompanhados por alguém que analise o jogo e o jogador, de modo diligente e crítico, que ao ver que tal ferramenta deixou de ser instrutiva e se transformou apenas numa disputa divertida, consiga sutilmente devolver um caminho certo ao aprendiz. Não que um jogo instrutivo não possa ser divertido, muito pelo contrário, se este não o for, tornar-se-á desinteressante e não mais será jogado.
Os projetos com cunho educacional são geralmente desenvolvidos em ambientes acadêmicos envolvendo pouco investimento financeiro, o que torna os mesmos pouco atrativos e muitas vezes os deixa restritos a simples experimentos realizados em universidades. A necessidade presente é de se juntar o potencial dos comerciais aliados aos princípios pedagógicos, permitindo um acesso mais motivador e eficaz na busca de novos conhecimentos.
Uma vez estabelecido e obedecido o sistema de um jogo, aprender pode tornar-se tão divertido quanto brincar e, nesse caso, aprender torna-se interessante para o aluno e passa a fazer parte de sua lista de preferências. Certamente, alguém que veja o ato de aprender como algo interessante em vez de tedioso é o grande desafio nas atuais práticas da área educacional.
O jogo a Revolta da Cabanagem pode ser baixado no site do Laboratório de Realidade Virtual da UFPA: www.larv.ufpa.br
5. Referências
BLENDER, disponível em <http://www.blender.org>, acessado em 3 de Setembro de 2009.
CEGUI, disponível em <http://www.cegui.org.uk/wiki/index.php/Main_Page>, acessado em 3 de Setembro de 2009.
DAMASCENO, R. Rodrigues, Reis F. Vaz, Ribeiro Filho M., Silva F. Cardoso, Sousa M.
Soares, “Jogo Educativo com Tema Histórico: A Revolução da Cabanagem”, SBGAMES,
2008.
FMOD, disponível em <http://www.fmod.org/>, acessado em 3 de Setembro de 2009.
GIMP, disponível em <http://www.gimp.org>, acessado em 3 de Setembro de 2009.
LUA, disponível em <http://www.lua.org>, acessado em 3 de Setembro de 2009.
OGRE3D, disponível em <http://www.ogre3d.org>, acessado em 3 de Setembro de 2009.
OIS, disponível em <http://sourceforge.net/projects/wgois/>, acessado em 3 de Setembro de 2009.
OPENAL, disponível em <http://www.openal.org>, acessado em 3 de Setembro de 2009.
PHYSX, disponível em <http://www.nvidia.com.br >, acessado em 3 de Setembro de 2009.
RAIOL, D. A., “Motins Políticos, ou História dos Principais Acontecimentos Políticos da
Província do Pará desde o Ano de 1821 até 1835”, Editora da UFPA, 1970.
REIS, Felipe Vaz, “Implementação de um Jogo Educativo Sobre A Revolução da Cabanagem”. Dissertação de Mestrado (Programa de Pós-Graduação em Engenharia Elétrica), Universidade Federal do Pará, 2009.
SILVA, F.C., “Jogo Educativo ‘A Revolta da Cabanagem’ e as Técnicas de Geração dos
Recursos Gráficos de seu Ambiente Virtual”. Trabalho de conclusão de curso (Graduação em Engenharia de Computação), Universidade Federal do Pará, 2009.
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