Aço: Efésios VI – XIV O reflexo Cristão em “O Homem de Aço”

*Por Luis Broleze

Homem de Aço (2013) - Zack Snyder
Homem de Aço (2013) – Zack Snyder

Introdução

 

O presente trabalho tem por intenção relacionar as idéias de Arlindo Machado a respeito da identificação do espectador na tela, baseando-se em seu livro “O Sujeito na Tela”, mais especificamente no capítulo chamado “A Janela do Voyeur”, com os elementos cristãos presentes no filme Man of Steel (O Homem de Aço) que trata do super herói já muito conhecido, Superman (Super-Homem).

 O texto buscará converger os argumentos de Arlindo com as estratégias do diretor Zack Snyder para conquistar o olhar do espectador, fazendo com que esse se identifique com o protagonista a partir do viés religioso. Para tal, o texto aborda seus comentários e argumentos baseados na visão do Cristianismo e da Bíblia.

 

Um só corpo: Romanos XII – V

 

À caráter introdutório, Arlindo explica que o olhar do espectador é como um espião que vê toda a ação por um buraco na fechadura, ou como gosta de chamar a tela do cinema, “A janela do Voyeur”, sempre em uma posição ideal. O autor define esse conceito de tal maneira pois procura aproximar a vontade do espectador de permanecer olhando àquilo que se apresenta na tela perante ele,  ao fetichismo de um voyeur, que apenas observa aquilo que lhe agrada e se identifica com seu vários níveis de consciência. Arlindo utiliza-se do exemplo de Hitchcock em Rear Window (Janela Indiscreta) como a concretização filmíca desse conceito abstrato, já que a película trata de um protagonista que, ao observar as pessoas do condomínio onde vive (através da janela de seu apartamento), fica intrigado pelos acontecimentos de suas vidas e acaba descobrindo um possível assassinato. Tal fato o torna obcecado pela vigília constante afim de descobrir o assassino.

Porém, como o próprio autor do texto nos alerta, um filme para prender seu espectador e faze-lo indentificar-se com aquilo que está sendo mostrado, não pode simplesmente coloca-lo sobre uma visão subjetiva afim de inseri-lo na diegese, a exemplo do filme Lady in The Lake (A Dama do Lago); fazendo assim com que a janela do voyeur seja o primeiro passo para quem está olhando se identificar com aquilo que está vendo.Os passos seguintes são as inserções, tanto na diegése quanto nas personagens, de características que fazem parte da vida do espectador, com maior efeito sobre o fetiche se for um elemento que o observador gostaria de ser ou possuir, fazendo com que a identificação se torne absoluta ao ponto em que o voyeur realiza seu desejo máximo de se tornar aquilo que está observando. Sendo assim, observador e observado ocupam o mesmo lugar em um só corpo. Para exemplificar esse último argumento, o autor nos cita novamente a experiência de Rear Window, onde em sua diegése o próprio protagonista faz o papel do voyeur que expressa seus desejos de ser um investigador a partir do momento que sua observação da vida alheia traz a ele motivos para se achar na posição de tal. Esse efeito imprime sobre o espectador o mesmo desejo, pois o modo como Hitchcock realiza tal progressão da história filmíca, nos colocando por vária vezes nas lentes do protagonista, fazendo com que o mesmo utilize-se de efeitos cinematográficos como o contra-campo, e não fornecendo ao espectador mais informações do que o próprio protagonista já conhece e descobriu, vamos nos tornando aos poucos o personagem central dessa história, caminhando nos mesmos calçados e olhando através de seus olhos sem que a camêra necessariamente o faça.

 

Confiança: Romanos VIII – XXIV

 

Primeiramente uma breve sinopse da história de Man of Steel deve ser descrita para que as comparações que serão feitas a seguir possam ser completamente compreendidas. Na trama – que conta de forma não linear e com a utilização de muitos flashbacks – vemos o crescimento de Clark Kent (Henry Cavill) desde seu nascimento em Krypton e os problemas enfrentados por seu planeta que acaba se auto destruindo em uma explosão do seu próprio núcleo, até o momento em que Clark se torna o Superman devido aos ataques do General Zod (Michael Shannon) que vem ao planeta Terra em busca da construção de uma nova Krypton, para um desfecho da morte do vilão em questão pelas mãos de nosso herói, que por sinal se trata de um final atípico para o super-herói em questão, pois devido ao grande senso de justiça e bondade da personagem, fazendo assim o assassinato ser evitado ao máximo pelo mesmo. É nessa demonstração do surgimento do herói que jazem as sequências que justificarão as argumentações do presente texto.

 

Semelhança: Genêsis I – XXVI

 

Em um mundo tão divergente de opiniões religiosas e onde o assunto está em constante discussão, Zack Snyder toma a decisão de direcionar a construção de Superman à sua inspiração mais direta, o de salvador idônio, a figura de Jesus Cristo. Utilizando-se de decisões filmícas por vezes sútis, por vezes escancaradas para que essa assimilação pudesse ser feita pelo espectador, dessa maneira aproximando-o a tal figura cristã com empatia e despertando o desejo de se tornar como ele de forma subliminar, velando-a ao observador com a máscara do herói e de seus super poderes. Assim, podemos dizer que Snyder vai além da complexa personificação do espectador no protagonista, como analisa Arlindo ser a forma ideal de prisão da atenção e completo compreendimento da diegese, pois a persona com que o observador se identifica trata-se de uma máscara para sua verdadeira identidade.

 

É possivel sim, perceber as nuances cristãs sem prévio conhecimento. A exemplo disso temos a cena que ocorre em seguida a ameaça de Zord à Terra, dizendo que se Clark não revelasse seus poderes para o mundo, todo o planeta seria destruído. Na cena vemos Clark em uma igreja se aconselhando com um padre e, ao fundo do plano próximo dele (ou seja o contra campo do padre), é perceptível um vitral onde se encontra a figura de Jesus carregando a cruz em suas costas. Apesar de ser facilmente reconhecida a relação entre o personagem e a figura cristã, a maior significância e aproximação com o espectador está no diálogo, pois o conselho final do padre é que o super-herói tem de dar um voto de confiança a humanidade, sem mencionar, entretanto, que Cristo fez o mesmo ao renunciar sua vida em preferência a humanidade. Esse voto de confiança é o que aproxima o espectador do protagonista, independente de sua visão religiosa, pois é um idealismo que todos querem alcançar. Então, Snyder nesse momento utiliza-se de uma relação desvelada e óbvia para desviar a atenção de uma bem mais sútil que, no entanto, possui o mesmo objetivo de relacionamento do herói com a principal figura cristã.

 

Nesse ponto também é explorado a questão do livre arbítrio que durante todo o filme faz dele motivo para vários paralelos consideráveis da história bíblica. Exemplo disso é toda a estrutura de construção do vilão e da forma de vida no planeta Krypton, que pode ser comparado facilmente a figura de Lúcifer e do Paraíso. Isso porque o filme conta que em Krypton não há fecundação natural, todos são gerados a partir de um códex e diversas máquinas que predestinam as vontades e anseios dos seus futuros cidadãos, afim de manter uma ordem e equilibrio natural, o que causa uma revolta de Zod ainda em seu planeta natal que juntamente com suas tropas militares tenta uma revolução, porém o mesmo é derrotado e expulso para um banimento teoricamente eterno em um buraco negro. Esse comparativo é facilmente relacionado com a tentativa de rebelião de Lúcifer no Paraíso, e é ainda mais reforçado nas cenas finais do filme onde Zod adimite invejar a capacidade de livre-arbitrío do Superman que aí também pode ser colocado como a figura do Homem, criação de Deus, representado por tanto pela figura do pai natural de Clark, Jor’El (Russel Crowe). Essa aproximação do vilão com a figura mais maligna da crença cristã, faz tal dicotomia tão contrastante que joga a identificação do espectador ainda mais para a figura do herói.

 

Outro sinal sútil da representação cristã está na projeção da figura do Espiríto Santo e a representação da trindade, que se faz no primeiro caso na forma da consciência de Jor’El, que dessa forma (mesmo depois de morto) guia nosso herói, evocando assim as três pessoas de Deus. Isso se torna claro no momento em que Clark depois de ser capturado por Zod, quando ele é libertado com a ajuda da consciência de seu pai que guia Louis Lane (Amy Adams), representando assim o homem que aceita os direcionamentos de Deus e retribui o voto de confiança citado anteriormente, e logo depois é enviado pela consciência de seu pai de volta para a Terra para ser seu salvador.

 

Muitas dessas identificações e relacionamentos que o diretor espera que o espectador faça é muito bem colocada, pois ao se tratar de um filme com o herói ocidental e esperando que a maior parte do público também o seja, vemos que a constatação de tais elementos se dará de forma eficaz, mesmo para aqueles que possuem diversos pensamentos a respeito de religião, uma vez que o cristianismo está impresso na cultura ocidental. Além de que, em outros termos, a trama abrange e possibilita tal relação em outros campos religiosos, por tratar-se de uma constante em quase todas as crenças do mundo que é o embate entre bem e mal.

Assim, o filme pode ser visto como contemplador de mais de uma sociedade específica e geral a todos os tipos de pensamento considerados comuns no mundo, fazendo com que a aceitação e aproximação do espectador para com o conteúdo diegético se dê em completa harmonia, dando respaldos de que o mesmo ficará satisfeito com o que está vendo.

O último ponto que vem a ser colocado por Snyder vem a casar e complementar o que Arlindo diz ser o desfecho perfeito para a experiência filmíca que é o distanciamento no final e a libertação tanto da personagem e do filme, quanto do espectador. O diretor coloca isso ao fazer com que Superman, em seu desespero e ânsia pela salvação de uma família mate seu inimigo, e pela salvação do planeta desse mal, ganhe a imortalidade de seu legado e confiança de toda humanidade. Isso se difere diretamente da resolução de Cristo, que cede a morte não do outro, mas a de si mesmo para a completa salvação do mundo, e que através da ressurreição conquista sua imortalidade e derrota a morte. Sendo assim é possível ficar claro a diferenciação entre as duas figuras, apesar de sua grande semelhança, fazendo também com que o espectador saia de dentro do personagem principal afim de que esse assista o desfecho do herói através de um olhar critico pessoal, e não mais através do que o protagonista estava vivendo ou de um olhar ideal daquilo que seria o desejo da bondade extrema. Tal reflexão que não é feita nos quadrinhos, lugar original de criação do herói, fazendo um comparativo interessantíssimo entre adaptação de plataformas.

 

Conclusão

 

Podemos concluir que a identificação do sujeito espectador na tela, passa por diversos filtros culturais e de vivência, fazendo com que ela seja mais forte ou mais fraca de caso para caso. Assim vemos que crítica, opinião e julgamento de obras cinematográficas são (quando não se tratando de termos exclusivamente técnicos) extremamente subjetivas, sendo que o verdadeiro objetivo do autor dentro do filme é a de subverter os próprios desejos e opiniões de seu público, coisa que o cinema de massa faz tão bem, vendendo produtos e tendências que modificam o modo como as pessoas vivem ou pensam naquele momento do filme e além da sala de cinema também. Uma vez que, em um mundo de multiplataformas visuais a todo momento somos lembrados daquilo que vimos e convidados a nos aprofundar mais naquele determinado assunto, moldando o que conhecemos como pop culture.

 

Logo é impossível dizer que a realização de Man of Steel da maneira como foi feita, não serviu de propaganda ou pelo menos de despertar do interesse das pessoas com relação ao valores cristãos.

 

 

BIBLIOGRAFIA:

BÍBLIA. Português. Bíblia Apostólica. Versão por Apóstolo Estevam Hernandes. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 2012.

 

MACHADO, Arlindo. A Janela do Voyeur(cap. 1, pgs. 43-55) in O sujeito na tela: modos de enunciação no cinema e no ciberespaço. São Paulo, Paulus, 2007.

 

FILMOGRAFIA:

SNYDER, Zack. Man of Steel (Homem de Aço). Warner Brothers Pictures, Legendary Productions e DC Comics, Estados Unidos da América, 2007.

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