Chá da SeIS – A Viagem interior: sexualidades e deslocamentos

Por Lucas Scalon*

Conheci o Professor Jorge Leite Júnior em 2011, através de uma entrevista sobre sexualidade, para um programa de televisão universitário. No programa, Leite tratava da masturbação, explicando como a visão sobre ela foi se modificando através do tempo, passando de algo que era terminantemente proibido pela religião até os dias atuais, momento da história em que ela ainda é considerada um tabu, mesmo depois da revolução sexual do século XX. Interessado no fato de que alguém tenha profundos conhecimentos acadêmicos no assunto, busquei conhecer, desde então, um pouco mais da pesquisa do professor e descobri que ele tem um vasto interesse em vários campos ligados à sexualidade humana. No mestrado, por exemplo, apresenta uma análise sobre a pornografia hardcore bizarra, em que apresenta sua pesquisa sobre o cinema erótico contemporâneo sob a ótica das práticas sexuais consideradas extremas às convenções sociais. Já no doutorado, Leite apresenta a tese “Nossos corpos também mudam”, que vai falar do trânsito entre gêneros e como os termos “travesti” e “transexual” entram no discurso científico no decorrer do século passado.

Na tarde desta segunda-feira, o Professor Jorge Leite participou do evento Chá da SeIS com o tema “A Viagem interior: sexualidades e deslocamento”, organizado pela 13ª Semana da Imagem e Som, cujo o tema norteador esse ano é “Na Estrada do audiovisual”. Apesar de aparentemente tratar apenas de road movies, fica claro que a semana pretende abordar todos os tipos de viagem, desde as subjetivas e interiores até as viagens em seu sentido mais óbvio, de deslocamento geográfico. Este foi um dos eventos que deixaram claro essa abrangência, já que Leite abordou principalmente o deslocamento da sexualidade como forma de viagem interior. Para isso, no entanto, o professor do Departamento de Sociologia da UFSCar iniciou o Chá explicando o significado de viagem através dos tempos, iniciando-se quando o movimento físico entre espaços geográficos era visto como uma atividade aventureira e destinada a desbravadores, até passar pelo ideal burguês de viagem pelo turismo. Para ilustrar essa visão, Leite citou o filme As Aventuras de Erik, o Viking (Eric the Viking, Terry Jones, 1989), em que o personagem principal, partindo em viagem para uma nova terra – para que possa acordar os deuses durante o Ragnarök -, sabe que há a grande possibilidade de nunca mais voltar. Isso evidência como, por muito tempo, a viagem era vista como o encontro com o possível desconhecido e que traria perigos possivelmente mortais.

Na segunda parte, Leite ligou essa noção de viagem à experiência erótica humana como forma de transgressão. Para ele, alguém se aventurar pela sexualidade significa atravessar uma uma nova experiência e encontrar, do outro lado, a outra, ou as outras faces desconhecidas. A partir disso, o professor explicou vários aspectos humanos que se ligam com sua pesquisa, como os conceitos de “sexo”, “gênero” e “orientação sexual” e “amor”, “sexo” e “casamento”, que são definições que podem colocar o indivíduo em classificações que, socialmente, em uma cultura heteronormativa, são definidores da sexualidade, mas que na verdade não servem como padrões, já que há sempre a possibilidade de transgressão dessas regras sociais através de viagens interiores – que, claro, vão culminar em pulsões físicas. Para ele, então, só diz que tem certeza de se encaixar em um desses padrões quem nunca se aventurou por uma viagem ao desconhecido. Para ilustrar esse movimento de auto-conhecimento, Jorge Leite cita os filmes O Império dos Sentidos (Ai no Korīda, Nagisa Oshima, 1976), em que um casal heterossexual se envolve em uma trama de amor obsessivo em que buscam o amor total e também Transamérica (Transamerica, Duncan Tucker, 2005), sobre uma mulher transexual que descobre que tem um filho e, antes de se submeter a uma cirurgia de mudança de sexo, viaja para conhecê-lo.

Infelizmente, o evento teve seu tempo diminuído de última hora e o professor não pode desenvolver tanto o assunto proposto, restando pouco tempo para que ele fizesse maior relação de sua pesquisa com o audiovisual. No entanto, Leite foi bastante esclarecedor no que se propôs a apresentar e teve êxito em falar dos conceitos supracitados. Para finalizar, Jorge Leite fechou o evento com um conceito que parece simples nos road movies, mas que abrange uma série de complicações e exige reflexões de quem vê – e, no limite, de quem passa por ele -: a viagem externa não é nada mais que uma metáfora para as viagens interiores e as mudanças subjetivas sofridas nesse caminho.

Jorge Leite, no primeiro Chá da SeIS da semana

*Lucas Scalon é graduando no curso de Imagem e Som na Univesidade Federal de São Carlos (UFSCar) e editor responsável pela seção Panorama na Revista Universitária do Audiovisual, para a qual  escreve esporadicamente.

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