Estrutura, estratégias e descobertas da crítica, pela Análise do Discurso, no início da Retomada do cinema brasileiro

Luiz Joaquim da Silva Júnior, é jornalista e Mestre em Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação da Univesidade Federal de Pernambuco. Ministra disciplina sobre cinema brasileiro na pós-graduação “Estudos Cinematográficos” da Universidade Católica de Pernambuco. É também curador da sala de cinema da Fundação Joaquim Nabuco, no Recife. (e-mail: ljoaquim@yahoo.com.br / site: www.cinemaescrito.com)

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1. Introdução

O início da Retomada completa quinze anos em 2009. Este período testemunhou a crescente adesão e prestígio do grande público brasileiro ao cinema feito em sua própria terra. Fase que viu o processo de lançamento de filme sair do formato mambembe (com média de quatro cópias por filme estreando fora de sincronia, um mês após o outro, em poucas capitais do País) para um status profissional (com, em alguns casos, mais de 250 cópias estreando simultaneamente em mais de 20 importantes cidades brasileiras). Foi um momento histórico que assistiu a evolução técnica fazendo-se presente na produção nacional e uma crescente melhora na formação, cheia de experimentações, de renovados profissionais da área.

A obra que deu partida a tudo isso foi Carlota Joaquina – A Princesa do Brazil. Dirigido por Carla Camurati em 1994 e começando sua carreira nas salas de exibição em janeiro de 1995, Carlota alcançou uma audiência total de 1.286.000 espectadores depois de um longo período negro para a cinematografia brasileira junto ao seu público.

Para ilustrar essa realidade basta observar que em 1993, o público presente em filme brasileiro foi de 45.547 pessoas. O equivalente a apenas 0,1% da freqüência de público de cinema durante todo aquele ano. Dez anos depois, em 2003, foram 21.171.320 espectadores nas salas de projeção para ver os filmes feitos no Brasil (até hoje, o maior montante do período contabilizado por ano). O equivalente a pouco mais de 20% de todo o público das empresas exibidoras do ano anterior[1].

Junto a esse quadro de efervescência cultural, social e econômica, um aspecto estimulou nossa curiosidade nos primeiros anos desse período. Foi a percepção de um certo descrédito do leitor sobre os textos valorativos publicado nos veículos de comunicação mais tradicionais (jornais e revistas). Aliado a essa descrença, percebemos um constante enaltecimento, pelos críticos de cinema, de novas ‘pseudo-obras-primas’ a cada semana e, pior, notamos uma estranha ‘coincidência’ nos termos e expressões utilizadas nos textos, dando a sensação que esta categoria profissional atua com um pensamento nacionalmente unificado, o que limita consideravelmente o espaço para o senso de ‘crise’ que a palavra ‘crítica’ deve trazer consigo. Não houve, em grande parte do período da Retomada, crise entre os críticos de cinema, houve uma incômoda harmonia. E acreditamos que, se a categoria quiser se manter dentro de um padrão de seriedade, não pode deixar de refletir sobre si mesma.

É certo que na época de hoje as circunstâncias para o exercício da crítica é outro. Talvez não haja mais espaço para a militância de textos políticos e civilizadores vinculados ao cinema – como os produzidos por Paulo Emílio Sales Gomes (1916-1977), Francisco Luiz de Almeida Salles (1912-1996) e José Lino Grünewald (1931-2001), entre outros. Eles, que entendiam e ‘escreviam’ o cinema não como um objeto isolado no mundo, mas como uma expressão que se comunica com outras artes, com a sociedade e com a cultura.

Acreditamos, porém, que deve haver lugar para uma interpretação contextualizada, agregando às análises erudição e determinantes referências artísticas – instrumento indispensável para estabelecer parâmetros adequados.

Mesmo alimentando essa perspectiva, para nós fica claro que, ao estudar a crítica de cinema no jornal impresso, estamos atentos para a estrutura da lógica editorial nos dias de hoje, sob a qual se sustenta o canal que tomamos como referência para esse trabalho; no caso, os cadernos de cultura dos jornais.

E o que acontece com os cadernos culturais? O público tem, claro, mais interesse em ver Star Wars do que um filme iraniano. No entanto, isso não significa que quem quer ver o filme norte-americano se interesse por ler “tudo” sobre sua produção, sobre os lucros obtidos, etc. A rigor, esse tipo de matéria interessaria mais ao acionista do estúdio, ao exibidor do filme… Mas é como se as matérias sobre lucro, bilheteria , Oscar, etc. se encarregassem de provar (para o jornalista, para o próprio jornal) que é justo ocupar todo aquele espaço com o filme… O resultado é curioso e acredito que isso aconteça com muita gente. Passar os olhos pelos cadernos culturais sem ler nada – porque não é mesmo para ler, no máximo, saber o dia da estréia e o cinema em que está passando, saber que tal filme é o filme da temporada e pronto: quase como se a única informação relevante fosse não o que se diz sobre o filme, mas o espaço que se concedeu a ele. É a lógica da publicidade. (Coelho in Martins [org.], 2000: 91).

Entre 09 e 14 de maio de 2002, aconteceu, no Paraná, o 1° Encontro de Críticos (de Cinema), dentro da programação do 6° Festival de Cinema, Vídeo e DCine de Curitiba. Na primeira mesa de debates, obedecendo ao tema Crítica Cinematográfica e o Cinema Brasileiro, Alfredo Manevy, ex-editor da Revista Sinopse, colocou a seguinte questão: “qual a relação da crítica que é feita no jornal com o consumo da cultura e com a produção cultural?”.

A pergunta de Manevy coroa antigas indagações pessoais que trazemos para esse artigo. Como é possível detectar excertos, nas críticas de distintos autores, que apontem similaridades e diferenças sobre uma mesma obra em questão? Podemos identificar pontos, nos textos escolhidos, que privilegiam ou repudiam o cinema nacional? E qual razão conduz os autores a essa opção valorativa? Até onde chega o desprendimento do crítico com modismo, propiciando análises levianas e/ou precipitadas? É possível localizar pontos em comum nas críticas que possam refletir uma (in)coerência discursiva? A partir do texto podemos conhecer as preferências dos críticos de cinema dos jornais diários? Na confecção desses textos, seus autores utilizam alguma estratégia de sintaxe para valorar uma produção cinematográfica? E se utilizam, em que medida ela é positiva ou negativa?

Posta a problemática, partimos para o mapeamento de nossa análise, e decidimos fazer uma observação da crítica nacional optando por textos publicados em três das regiões do País mais expressivas em termos de produção cinematográfica, além de produção intelectual sobre o mesmo assunto. São elas, respectivamente, as regiões Sudeste, Sul e Nordeste.

Da região Sudeste, o jornal O Estado de S. Paulo mostrou-se um dos mais comprometidos nos anos da Retomada, com especial destaque para a cobertura das dezenas de festivais de cinema espalhados ao longo dos últimos anos e do País. O esforço revela, entre outros motivos, um especial interesse pelo tema.

Da região Sul, escolhemos o jornal porto-alegrense Zero Hora, em primeiro lugar, por estar localizado em local culturalmente estratégico. É em Porto Alegre onde funciona há 23 anos a ‘Casa de Cinema’ que, em 1993, já era referência nacional antes da Retomada.

É também no Rio Grande do Sul onde acontece, já há 36 anos ininterruptos, um tradicional festival de cinema do País, o Festival de Gramado – Cinema Latino e Brasileiro; tendo ultrapassado por todos os percalços que a categoria sofreu nos anos de Fernando Collor na presidência da República.

Da Região Nordeste, selecionamos trabalhar com o Jornal do Commercio pelo fato de o periódico ter atingido um prestígio, primeiro em Pernambuco e depois em todo o Nordeste, na cobertura de cinema. E o ponto de partida dessa linha ascendente de interesse do leitor para o periódico coincidiu exatamente com o início da Retomada. Seis anos depois, Já em 2000, uma enquete feita pelo próprio veículo com seu leitor revelou que o assunto mais procurado no Caderno C[2] era cinema.

Há ainda, naturalmente, uma predileção em escolher um jornal do Estado onde residimos, em detrimento de outros do Nordeste, uma vez que sua produção jornalística nos é mais íntima. O interesse pelo Jornal do Commercio se deu, depois, por um fator de proximidade, uma vez que atuamos, a partir de 1997, em sua editoria de cultura, intitulada ‘Caderno C’. Inicialmente como colaborador casual, passando a trabalhar como estagiário e, na seqüência, como repórter contratado, até 2001. Essa experiência nos colocou no lado de dentro do processo de apuração, confecção, edição e publicação de reportagens e críticas de cinema.

Observar esse processo de perto nos chamou a atenção para alguns casos em que a ação daquele que escreve sobre cinema funciona apenas como se fosse um espectador que tem acesso ao filme antes dos outros e traz sob seu poder o press-release do produto, detalhando todos os dados técnicos e econômicos da produção. Alguns textos terminam por ser publicado apenas como painel para informar quem está no filme, quem o dirigiu, quais seus filmes anteriores, se os atores estão bem e, como numa gradação de nota escolar, pontuar a qualidade da fotografia, da direção de arte, etc.

Exemplo disso são os textos carregados nos adjetivos, com limitações de vocabulário, exageros e equívocos. Há ainda uma geração de “críticos” seguindo a linha “piadística”; ou seja, o texto é fechado para si, autocentrado e bastante irônico. É como se o crítico se colocasse acima da obra; e sabe-se que em algumas editorias de cultura, quem fez a crítica não é ninguém especializado, mas um repórter circunstancial.

O que se escreve e se publica acaba por não requerer uma postura crítica diante do que é fornecido. O que se vê nos textos, muitas vezes, é apenas um destilar de conhecimento dicionarizado e estéril sobre cinema.

Existem várias linhas teóricas que encurtam o caminho para a encruzilhada da história das artes, da cultura e de como são abordadas pelo jornalismo cultural. O percurso analítico que seguiremos nesse artigo terá como paradigma teorias sócios-interacionistas da linguagem. Iremos focar os estudos de linguagem que falam de dialogismo, polifonia, intertextualidade e enunciação, entre outros.

Com o aparato teórico fornecido pela Análise do Discurso (daqui por diante apenas AD) vamos extrapolar a simples análise lingüística do texto, indo além da identificação de marcas formais do discurso para observar como essas marcas ativam a significação dos discursos.

Fazemos um ‘entrelaçamento espacial’ da análise entre três críticas, visto que cada uma delas (que versam sobre o mesmo filme) vem de uma região geograficamente diferente e de formação cultural distinta.

Nas editorias de cultura é pratica comum publicar-se uma série de matérias de diferente natureza sobre um mesmo filme (reportagem, ensaios, resenhas, opinião, entrevista com diretor, ator). Optamos por trabalhar exclusivamente com a crítica estampada no periódico por ocasião da estréia ou pré-estréia do filme na cidade de origem dessa crítica.

Essa opção encontra razão na lógica editorial predominante na editoria dos principais cadernos culturais do País. É, usualmente, na data da estréia de um filme, na abertura de um espetáculo, ou na data de lançamento de um livro que esse produto cultural ganha maior espaço nos jornais.

Em sua publicação O Livro no Jornal, Isabel Travancas (2001) analisa os suplementos literários de periódicos da França e do Brasil, e discorre sobre os distintos objetivos entre esses veículos e o seu objeto de reflexão, no caso, o livro. Entre vários depoimentos tomados, o do editor do suplemento literário do jornal Quotidian de Paris, Bertrand Saint-Vincent, reforça a idéia comercial, e não a analítica, contida nas editorias de cultura. Sobre o editor francês, Travancas diz:

Bertrand Saint-Vincent, é categórico em afirmar que as escolhas são arbitrárias e subjetivas. Mas acrescenta o fato de o suplemento fazer parte de um jornal e, portanto, a seleção está submetida a uma hierarquia jornalística. Ou seja, a maioria dos livros abordados em todos os suplementos, tanto no Brasil quanto na França são lançamentos. Esta é uma das primeiras regras. É a novidade e o leitor muitas vezes só toma conhecimentos de seu lançamento através dos jornais. (Travancas, 2001: 127)

Sendo assim, entendemos que, usualmente, a primeira devoção reflexiva do crítico diário de cinema acontece na confecção desse texto inicial, por ocasião da estréia do filme (que pode vir, ou não, seguido por outros artigos e reportagens, relacionados em datas posteriores).

Pelo lado da recepção, sabemos que, pelo jornal diário, é esse, normalmente, o primeiro grande contato informativo que o leitor leigo tem com o filme, e acreditamos ser essa relação com o texto, que traz consigo um ineditismo pelo seu teor mais laborioso, a de maior impacto em todo o histórico de relações que o leitor venha a ter com futuros textos vinculados à obra em questão. Enfim, é na voz do primeiro extenso texto, é nessa primeira devoção, tanto de quem escreve quanto de quem lê o objeto fílmico através da crítica, o lugar onde nos detemos para averiguar como ela (a voz) se dirige ao leitor.

Sendo assim, nos lançamos sobre três escritas (do Estado, do Zero Hora e do Jornal do Commercio) ligando um mesmo tema: as críticas sobre Carlota Joaquina – Princesa do Brazil (filme cuja importância já foi mencionada, dentro do contexto ‘Retomada’).

Observamos a necessidade, registrada nas críticas, de procurar no ‘outro’ uma voz prestigiosa para endossar seu ponto de vista. Colocamos esse aspecto sob apreciação a partir do pensamento do teórico russo Mikhail Bakthin (1895-1975) sobre Dialogismo. Tendo a dialética como eixo central para análise da linguagem, Bakhtin trabalha o Dialogismo para talhar a idéia de que esse é o princípio constitutivo da linguagem, e que o discurso do homem é influenciado pelo meio, além de se voltar sobre ele para transformá-lo.

Apesar de estar longe de ser alçado a uma categoria industrial (e aqui cabe a pergunta: é a isso que o cinema brasileiro busca?), nossa produção cinematográfica ao menos já provou, ao longo desses anos, mostrar-se competente para se fazer presente em qualquer competição artística da categoria no mundo. O que era diferente de seu perfil no início da Retomada, assim como queremos mostrar que a crítica de cinema voltada para o cinema nacional esteve despreparada naquele mesmo início do período.

O discurso da crítica do jornal diário era, invariavelmente, ‘contaminado’ pela voz do ‘Outro’ (sendo esse ‘Outro’ a própria crítica e o público do cinema brasileiro, com sua crescente freqüência às bilheterias). O que nos remete ao conceito de heterogeneidade discursiva, ou seja, a crítica firma uma relação de um discurso com outros discursos; vozes discursivas outras que se manifestam em um dado discurso e interferem no seu sentido.

O que não significa que o autor da crítica esteja totalmente apagado, mas que:

… o sujeito nem sempre tem consciência do que ocorre, quase nunca detém o controle, é constantemente surpreendido ou soterrado por matéria discursiva vertida pelo id, ou dominado pelo super-ego ou por alguma instância produtora de discursos que o cerca, domina-o, submete-o, seja ela uma episteme, uma teoria, uma doutrina, um locutor indeterminado, enfim, uma instância que é não-eu, que é outro ou o Outro. (Possenti, 2002: 63,64).

1. A voz do público chega aos ouvidos da crítica

O ano era 1995 quando Carla Camurati retomava um hábito de distribuição de filmes nacionais no País, mais usual entre os curta-metragistas. De posse das cópias de Carlota Joaquina – Princesa do Brazil ­(primeiro longa que dirigiu), a cineasta viajou bastante, lançando o filme pessoalmente em quase todas as praças do País. Com sua persistência, Camurati fazia questão de estar presente em várias sessões para conferir o desempenho da bilheteria. Sua devoção não foi em vão. A história da esposa espanhola de D. João VI e sua viagem ao Brasil ficaram marcadas como sendo a da primeira produção nacional a ultrapassar a barreira de um milhão de brasileiros (em salas de cinema) depois dos anos negros do Governo Collor. Carlota Joaquina tornou-se, assim, em filme-símbolo da Retomada na produção brasileira.

Os anos negros para a produção audiovisual tiveram uma data de origem: 16 de março de 1990, quando a Empresa Brasileira de Filmes (Embrafilme) tivera seus serviços encerrados. Com a promulgação da Medida Provisória 151, naquele ano, o então presidente da República Fernando Collor de Mello dava um golpe fatal na espinha dorsal de qualquer estrutura econômica voltada para o cinema: a distribuição de filmes. De modo que, nos cinco anos que se seguiram, até o fenômeno Carlota Joaquina acontecer, menos de 30 produções brasileiras chegaram às telas (Vieira, 2001), sendo que algumas só chegaram via festivais de cinema.

A dotação orçamentária anual da Embrafilme era de cerca de 12 milhões de dólares, dos quais 70% a 80% eram destinados a investimentos na produção de longas-metragens. Esses recursos produziram, nas décadas de 1970 e 1980, uma média de 25 obras por ano, com orçamento de produção que se situavam, na média, entre 500 e 600 mil dólares por filme. Esses valores eram pequenos perto dos solicitados por outras estatais (Jornal do Commercio, 2000). A Embrafilme, pode-se afirmar, era um órgão menor; mas sua visibilidade era grande por causa do produto com que trabalhava.

A opção pelo fechamento da empresa não era cultural em sua essência. A onda de privatização das estatais se iniciou em meados dos anos 80, período em que a postura neoliberal começava a vigorar nas rodas políticas do país.

De forma equivocada, o cinema brasileiro é encarado, pelo seu vínculo à Embrafilme, como um produto estatal que não gera lucro. Com a crescente adesão da imprensa a essa ideologia, a cinematografia nacional não achava espaço para se desenvolver. Permaneceu, então, sem o crédito dos veículos de comunicação, formadores de opinião, e, por sua vez, também sem o da população.

Quando Carla Camurati coloca no mercado um trabalho que espontaneamente atrai o interesse do público, os críticos são necessariamente obrigados a rever sua posição quanto ao cinema nacional. Surge aí uma crise, um racha discreto na crítica de cinema quando escreve sobre a produção nacional. Acontece uma cisão dentro da categoria, que se dividia entre elogiar ou continuar depreciando a nova produção brasileira.

Parte dela (da crítica de cinema), veterana do desmanche operado nos anos 1980, durante algum tempo, finge que o cinema brasileiro continua não existindo. (…) Outra parte da crítica (…) quase sem etapas intermediárias, passou do desprezo à adesão ao cinema brasileiro assim que ele começou a emitir sinais de vida e logo deu mostras que iria sobreviver e fortalecer-se. (Oricchio, 2003: 217)

Já fazia mais de 40 anos, desde o início dos anos 1960, que não era constatado um registro assim; no qual os formadores de opinião expusessem suas posições entre si de forma tão dicotômica. A razão que provocava tais controvérsias no passado relacionava-se com a proposta ideológica e política (e tosca na técnica) que o Cinema Novo lançara no mercado.

Esse tipo de divergência parece nascer quando toma corpo nos críticos de cinema uma crise de identidade para com seu objeto de avaliação (no nosso caso de análise, o cinema brasileiro). Assim como nos anos que precederam o Cinema Novo, o árido período antes da Retomada gerou um cenário propício a um panorama de descrença na identidade de um cinema feito por brasileiros e para brasileiros. Ou ainda, deixou de gerar uma preocupação e auto-avaliação da crítica a esse respeito. Em outras palavras, a atividade crítica sobre o cinema brasileiro não foi estimulada pelo seu objeto de estudo, e assim não pôde evoluir sua faculdade.

Voltando ao início da Retomada, enquanto os profissionais dos diários culturais se dividiam em elogiar e depreciar a nova produção nacional, o tema ‘cinema’ virava pauta das editorias de política e economia. A pauta era “quente” pois a Lei do Audiovisual (promulgada em julho de 1993) era a principal responsável pela a produção brasileira.

Os jornais decidiram que era de interesse público discutir e apresentar todas as prestações de contas de uma realização cinematográfica no Brasil. As matérias sobre filmes negligenciavam, entretanto, aspectos narrativos, estéticos, enfim, de natureza analítica em termos de linguagem do cinema naquele momento.

Com isso, a partir de uma observação nos textos publicados no O Estado de S. Paulo, Zero Hora, e Jornal do Commercio, por ocasião do lançamento de Carlota Joaquina – Princesa do Brazil, de Carla Camurati, conferimos nos comentários expostos um forte apelo à performance da bilheteria que o filme alcançou, em prejuízo a um registro que se propunha, a princípio, ser examinador da obra.

Quando Michel Foucault proferiu em sua aula inaugural no College de France, em 1970, o texto A Ordem do Discurso (1996), ele defendia que na sociedade, como a conhecemos, a produção do discurso sofre controle, seleção e organização por sistemas de exclusão. Esses sistemas configuram-se pelo fato de ser amputado ao homem social o direito de dizer tudo, de falar tudo que lhe convier, em qualquer circunstância.

Dentro desse modelo, o filósofo destaca o princípio da ‘separação, rejeição’ na qual, por exemplo, o discurso da razão predomina sobre o discurso da loucura. Apesar de uma voz insana existir no ser-social, ela não penetra no mundo da razão, não é influente nesse universo. Ela é, enfim, separada, rejeitada pelo discurso predominante.

As ‘separações’ se configuram num contingente histórico, sustentadas por todo um sistema de instituições que impõe e reconduzem o discurso. Dessa forma, o discurso verdadeiro é relevado.

(…) chegou um dia em que a verdade se deslocou do ato ritualizado, eficaz e justo, de enunciação, para o próprio enunciado (…). Entre Hesíodo e Platão uma certa divisão se estabeleceu, separando o discurso verdadeiro e o discurso falso; separação nova visto que, doravante, o discurso verdadeiro não é mais o discurso precioso e desejável, visto que não é mais o discurso ligado ao exercício do poder. O sofista foi enxotado. (Foucault, 1996: 15)

Para, digamos, validar esse desdém ao discurso verdadeiro, Foucault nos fala da presença de uma ‘vontade de verdade’, exercendo coerção sobre o discurso social. Essa ‘vontade de verdade’ estaria em dados factuais de produção para fundamentar e racionalizar as teorias econômicas; ou ainda nos indicativos sociológicos, médico, psiquiátrico para dar suporte e justificar os códigos do sistema penal.

Como se a própria palavra da lei não pudesse ser mais autorizada, em nossa sociedade, senão pelo discurso de verdade. (Foucault, 1996: 19)

No micro universo da crítica de cinema que estudamos, é fácil verificar a vinculação que o jornalista diário de cultura faz, através de seu texto, com a brutal resposta da platéia ao chamado de Carlota Joaquina. O sucesso junto ao público que o filme cativou (a ‘vontade de verdade’) colocou a produção nacional na ordem do discurso da crítica, coagindo o analista a rever sua postura com relação ao cinema nacional.

Não pode ser coincidência o registro, em três jornais de três regiões distintas do país, a ênfase, descrita explicitamente, sobre a adesão do público ao filme.

Em 03 de fevereiro de 1995, o jornal O Estado de S. Paulo publicou na capa do Caderno 2 a crítica de Luiz Carlos Merten. Nesta que é a data de estréia do filme na capital paulista, Merten encerra sua avaliação assim:

Embora cuidado – na cor, principalmente -, o filme dá a impressão de não ir a lugar algum. O público, de qualquer maneira, está gostando. Só no Rio e em Belo Horizonte Carlota Joaquina já foi visto por mais de 40 mil espectadores. E o cinema brasileiro não pode prescindir dessa aceitação. (Estado de S. Paulo, 1995)

Parafraseando o jornalista, podemos dizer que a crítica, naquela conjuntura pela qual passava o cinema nacional, não podia prescindir de uma ‘vontade de verdade’ para validar positivamente, em seu texto, a produção em questão.

Quase dois meses depois, a diretora Camurati veio ao Recife lançar seu longa-metragem. Na capa do Caderno C o crítico de cinema titular do Jornal do Commercio, Alexandre Figueirôa, anuncia:

O filme entra em cartaz para o público, amanhã, tentando repetir por aqui a trajetória de consagração já observada em outras praças. No Rio de Janeiro, ele está em cartaz há três meses e tem agradado até mesmo a crítica sempre muito rigorosa com os filmes brasileiros. (Jornal do Commercio, 1995)

Só em maio, do mesmo ano, o filme é lançado em Porto Alegre e a editoria Segundo Caderno, do Zero Hora, pública na capa a avaliação de seu especialista da área, Tuio Becker. Ele abre o texto assim:

Quando esteve em Porto Alegre, no final de dezembro de 1994, apresentando uma sessão fechada, para publicitários, de Carlota Joaquina, Princesa do Brazil, Carla Camurati ainda não tinha idéia do possível sucesso de bilheteria que seu filme faria nos próximos meses. (…) A eficiente publicidade ‘boca-a-boca’ fez com que o filme deslanchasse e em suas primeiras semanas de exibição no Rio, São Paulo e Belo Horizonte atingisse a cifra de 100 mil espectadores, aumentando em mais de 200 mil pessoas até meados de abril. Lamarca, de Sérgio Rezende, que tinha Carla Camurati em seu elenco, detinha o recorde de 200 mil espectadores no processo de reconquista do público pelo cinema brasileiro. (Zero Hora, 1995)

Podemos dizer que a força da ‘vontade de verdade’, coagindo aqui sobre o discurso, ganha cada vez mais peso a medida em que corre o tempo, e ao mesmo tempo em que um gigante corpo físico (representado pela multidão nas salas por Carlota Joaquina) vai crescendo. Até por um frio cálculo matemático podemos conferir essa afirmação.

Se no início da carreira do filme, Merten dedica três linhas para falar sobre o público, o marketing ou o mercado, dois meses depois Figueirôa destina 11 linhas para o mesmo assunto. Mais um mês sobre a publicação recifense, e Tuio Becker aplica em 29 linhas (mais de 60% de todo seu texto) dados sobre a performance da produção, contra apenas duas linhas para análise.

Observamos que a proporção funciona de forma inversa quando levamos em consideração os comentários dos críticos sobre o que podemos chamar de análise do filme em si. Chamamos “análise do filme si” o que Francis Vanoye e Anne Goliot-Lété (2002) chamam de descosturar, despedaçar, desunir, extrair, separar destacar, decompor o filme, em termos mais ou menos aprofundados, mais ou menos seletivos, de acordo com o interesse da análise. Num segundo momento da análise, os elos separados se associam e se tornam cúmplices para fazer surgir um novo significante.

Se na primeira crítica Merten detêm-se em nove linhas para tecer comentários subjetivos sobre o filme, detectamos que Figueirôa utiliza apenas cinco linhas do seu espaço para lançar sua opinião.

Carlota briga por sexo e poder sem posar de heroína feminista. É um monstro. Dom João não fica atrás: desagrada aos portugueses com medidas que favorecem o Brasil. Mas a visão é redutora: o escracho, como representação da alma brasileira, tem de explicar tudo. Embora cuidado – na cor, principalmente -, o filme dá a impressão de não ir a lugar algum. (O Estado de S. Paulo, 1995)

Ou seja, os detalhes sobre o sucesso do filme junto ao público interessam mais, ou são em maior volumes representados no texto, que as questões próprias do filme. O que reforça a idéia da soberania da ‘vontade de verdade’ sobre a ordem do discurso da crítica naquele momento.

2. Dissonâncias a partir do dito e do não-dito na crítica de cinema

Apesar de estar estreando na direção de um longa-metragem, Carla Camurati não era nenhuma desconhecida da mídia nem do público ao surgir com Carlota Joaquina no universo cinematográfico nacional. A realizadora já havia trabalhado como atriz em diversos filmes de produção brasileira.  Eternamente Pagú (1989), de Norma Bengell, e Lamarca (1994), de Sérgio Rezende, são exemplos disso. Pelos textos analisados, verificamos que, enquanto uma parte da crítica não renunciou a essa, digamos, fama da cineasta para construir um discurso textual sobre Carlota Joaquina, outros autores não mencionam esses dados, confiando ao seu leitor um discernimento subjetivo (e diferente) por conta da ausência dessa informação.

Utilizar o reconhecimento público da cineasta na crítica permitiria que as vozes pré-construídas na memória discursiva do ‘Outro’ (o leitor) trouxessem um novo significado ao enunciado (da crítica). Nessa amarração entre o enunciado e a formação discursiva do ‘Outro’, Pêcheux (1983) diz que acontece o ‘interdiscurso’.

Para Orlandi (1999) o ‘interdiscurso’ remete a um especifico dizer historicamente constituído. Um dizer com significância intrinsecamente ligada à história, que remete a um outro leque de dizeres.

Dessa forma, o que está escrito na crítica importa à AD, assim como o que não está escrito também lhe é valioso, pois a AD se interessa igualmente em saber o que o sujeito do discurso deixou de dizer ao omitir um dado. Por essa perspectiva (a do não-dito), a mensagem que se instala no discurso é construída ainda mais à revelia do seu autor.

Assim sendo, nos textos sobre Carlota Joaquina, quando Merten e Figueirôa não fazem nenhuma menção do histórico de Carla Camurati no cinema brasileiro, os criticos estão deixando a mercê da memória discursiva constitutiva do leitor uma valoração específica sobre o filme dirigido pela cineasta. Essa leitura seria diferenciada se algum registro, alguma referência sobre a competência anterior de Camurati no cinema fosse mencionada nos textos.

É pertinente relembrar que nesse ponto, em 1995, o discurso histórico recente não era exatamente positivo às produções e aos autores do cinema brasileiro. Os filme feitos no Brasil até ali minguavam gradativamente e seus diretores não recebiam os melhores créditos; nem da crítica especializada nem do público. Isso significa que, naquele momento, ao anunciar um longa-metragem nacional, e, ao fazê-lo, não atribuir nenhuma consideração em quem está a frente desse produto, o crítico estava apenas anunciando ‘mais um filme nacional’. Estava, assim, acumulando nele toda a carga negativa, ou, deixando no leitor (pela sua memória discursiva) a possibilidade de acumular toda a carga negativa gerada pela má performance do cinema brasileiro até então.

Nas primeiras apresentações à imprensa, Carlota não deu a impressão de que iria ter carreira tão brilhante. Alias, a sensação era de que não iria ter carreira nenhuma. Em São Paulo, foi apresentado em pré-estréia pública (isto é, jornalistas assistiram ao filme junto com platéia, o que supostamente corrige certas distorções das sessões privadas, tidas pelos diretores como “frias”). A reação foi pífia, praticamente nula. Risos econômicos durante a projeção e palmas protocolares no final. O comentário depois da sessão foi inevitável: mais um filme nacional feito para ninguém e destinado ao fracasso. (Oricchio, 2003: 39)

Num sentido inverso ao dos outros críticos, Tuio Becker não deixa seu interlocutor esquecer que o nome de Carla Camurati está vinculado à competência. Em sua crítica, localizamos quatro instantes (contra zero nas outras duas críticas) nos quais o jornalista remete o leitor positivamente ao histórico profissional da cineasta:

Lamarca, de Sérgio Rezende, que tinha Carla Camurati em seu elenco, detinha o recorde de 200 mil espectadores no processo de reconquista do público pelo cinema brasileiro. (Zero Hora, 1995)

…informa Carla que, em meio a realização do seu filme, atuou em Lamarca, a fim de arrancar mais dinheiro para tocar a produção. (Zero Hora, 1995)

…entusiasma-se a realizadora, que anteriormente havia assinado os curtas A Mulher Fatal Encontra o Homem Ideal (1988) e Os Bastidores (1990). (Zero Hora, 1995)

Carla Camurati (…) prepara com Melanie Dimantas o roteiro de seu novo filme, (…) é mais um desafio a ser vencido pela diretora, premiada duas vezes em Gramado, como atriz coadjuvante por O Olho Mágico do Amor, de José Antônio Garcia e Ícaro Martins (1982) e como melhor atriz por Eternamente Pagu, de Norma Bengell (1987). (Zero Hora, 1995)

Com essa postura discursiva, Becker não permite ao leitor esquecer quem está por trás de Carlota Joaquina, e vai costurando um novo e otimista bordado na memória discursiva do leitor.

Já no texto de Luiz Carlos Merten, há um elemento curioso. O jornalista de O Estado de S. Paulo inicia a crítica chamando a atenção para a peça que o dramaturgo Roberto Athayde publicou sobre a mesma protagonista do filme de Camurati. Em todo o primeiro parágrafo, Merten intercala informações sobre os dois trabalhos, revelando a semelhança na estrutura dos dois enredos. Curiosamente, a pauta do dia é o filme de Camurati, que estreava na data em que a crítica de Merten chegava às bancas. O importante naquele espaço, entretanto, parecia ser o tema da produção cinematográfica, e não a produção.

Detalhe: a peça de Athayde já estava disponível nas livrarias sete meses antes do filme de Camurati entrar em cartaz em São Paulo. O trabalho do dramaturgo já havia, inclusive, recebido a devida atenção pelo mesmo veículo quando, na época de seu lançamento, publicou entrevista com o autor da peça.

Essa ambigüidade no discurso da crítica cinematográfica diária daquele momento fica mais explícita quando nos inclinamos para verificar a ênfase nos títulos das três críticas em questão. “‘Carlota’ revê história com deboche(O Estado de S. Paulo, 1995); “Pré-estréia do filme será hoje” (Jornal do Commercio, 1995); “Enfim, um filme brasileiro de sucesso” (Zero Hora, 1995).

Enquanto o primeiro título enfoca a temática da produção, o segundo destaca em seu título o apontamento do evento. Já a chamada do terceiro título funciona a partir do êxito do filme no mercado. Enfim, com essa postura vacilante, sem firmar-se num aspecto propriamente cinematográfico, o conjunto nacional da crítica cinematográfica soa em seu desenvolvimento como um silogismo, como um argumento aparentemente válido para elevar o filme, mas que, na realidade, não se mostra analítico, nem no texto que maltrata nem no que elogia a produção em questão.

3. Conclusão

Ao contrário do discurso monológico da crítica pré-Retomada (que dizia em diferentes, mas conciliados tons que o cinema nacional não tinha qualidade), instala-se então uma crise entre a categoria. Crise no sentido de conflito, de dúvidas, incertezas. O cenário acena modificado para o cinema nacional depois da passagem de Carlota Joaquina. Naqueles anos ressacados do governo Collor, a carnavalização no filme de Carla Camurati mostrava ser o interesse do espectador em uma sala de exibição: ver sua história projetada pelo estigma da gandaia. Rir de si mesmo estava na ordem do dia.

Identificamos aqui, nessa porta aberta por Carlota Joaquina, o ponto de partida de uma transição não apenas da produção de filmes no Brasil, mas também para aqueles que, com seu repertório teórico de cinema, devem ajudar o público leigo a estender seu prazer diante de uma obra cinematográfica.

A partir daí, o crítico de cinema nas editorias de cultura passa a prestar mais atenção no que se diz, como se diz, com qual propósito se diz, e porque se diz o que ouvimos e enxergamos num filme brasileiro. Inicia-se uma transformação, um progressivo e gradual movimento em determinada direção mais reflexiva da crítica feita nos jornais diários, que vai amadurecendo lentamente ao longo dos anos, até chegar como a conhecemos hoje.

4. Bibliografia

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Disponível em http://www.contracampo.he.com.br/26especial/frames.htm

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4. Anexo

Críticas sobre o filme Carlota Joaquina – Princeza do Brasil, de Carla Camurati

5.1 – Em ‘O Estado de S. Paulo’

Editoria – Caderno 2

Sexta-feira, 03 de fevereiro de 1995

Capa

Título : ‘Carlota’ revê história com deboche

Subtítulo : Filme de Carla Camuratti estréia hoje, destacando sede de sexo e poder da mulher de Dom João VI

Legenda : Marieta, com Carlota Joaquina: interpretação escrachada

LUIZ CARLOS MERTEN

Há um revival de Carlota Joaquina. A mulher de Dom João VI inspira uma peça de Roberto Athayde e o filme de Carla Camuratti que estréia hoje. Ambos recorrem a testemunhos para filtrar a personalidade da extravagente Carlota. Na peça de Athayde, sua vida é filtrada pelo olhar do secretário. No filme de Carla, é contada para uma garotinha.

Carla queria uma visão distanciada da história do Brasil. Poderia ter recorrido às chaves de Brecht, ao recurso do filme dentro do filme. Faz com que a história seja contada por um escocês para a filha. Por que um escocês? Porque Carla queria destacar o papel inglês naquele período da colonização, porque haveria mais identificação do Brasil com a Escócia. Na verdade, o recurso talvez se explique porque Carla tem um amigo escocês – e historiador – que a assessorou no roteiro.

Nem por isso o recurso é menos esdrúxulo. O filme cobre a infância de Carlota, princesa espanhola, o casamento com Dom João, a vinda para o Brasil, os numerosos amantes.Tudo é intencionalmente escrachado, a começar pelas interpretações de Marieta Severo e Marco Nanini. Dom João, quando não está devorando seus franguinhos, está obrando – e a câmera não recua diante da vontade de mostrar sua majestade no penico. Nunca respeitoso, sempre irreverente, o filme não deixa de destacar a importância dos biografados. Carlota briga por sexo e poder sem posar de heroína feminista. É um monstro. Dom João não fica atrás: desagrada aos portugueses com medidas que favorecem o Brasil. Mas a visão é redutora: o escracho, como representação da alma brasileira, tem de explicar tudo. Embora cuidado – na cor, principalmente -, o filme dá a impressão de não ir a lugar algum. O público, de qualquer maneira, está gostando. Só no Rio e em Belo Horizonte Carlota Joaquina já foi visto por mais de 40 mil espectadores. E o cinema brasileiro não pode prescindir desta aceitação.

5.2 – Em ‘Jornal do Commercio’ (Recife)

Quinta-feira, 30 de março de 1995

Editoria / Caderno C

Capa (no roda-pé) – abaixo de entrevista com a diretora Carla Camurati, realizada por telefone pelo “repórter” Alexandre Figueirôa.

Título: Pré-estréia do filme será hoje

Legenda – DISPOSIÇÃO – A atriz e diretora, Carla Camurati, arregaçou as mangas e está ela mesmo cuidando da distribuição. Hoje, ela chega ao Recife.

ALEXANDRE FIGUEIRÔA

Hoje tem um fato que pode ser considerado raro nos últimos anos: pré-estréia de filme brasileiro. Para uma platéia de convidados Carlota Joaquina, de Carla Camurati, terá sua primeira exibição no Recife logo mais às 21h no cine Art-Guararapes, com direito a coquetel e a presença da diretora. Carla está acompanhando de perto o lançamento de seu filme em todas as capitais transformando a estréia num evento e obtendo uma melhor divulgação. O filme entra em cartaz para o público, amanhã, tentando repetir por aqui a trajetória de consagração já observada em outras praças. No Rio de Janeiro ele está em cartaz há três meses e tem agradado até mesmo a crítica sempre muito rigorosa com os filmes brasileiros.

Carla Camurati apostou no humor ao traçar um painel da vida do Brasil colônia, nos tempos da chegada da Família Real Portuguesa que fugia  da Europa por causa de Napoleão. A história é narrada como um conto de fadas tendo como personagem central a pequena Infanta. Além das implicações políticas, o filme mostra o cotidiano da cidade do Rio de Janeiro, seus tipos pitorescos, a música e as questões sociais da época. Através da vida conturbada da princesa Carlota Joaquina, ele revela as peculiaridades do momento em que o Brasil tornou-se reino.

A rainha louca e devoradora de homens é vivida por Marieta Severo, enquanto Marco Nanini faz o rei D. João VI; interpretações que vêm sendo elogiadas. As imagens de Lisboa e do Rio do início do século 19 foram feitas em São Luiz, no Maranhão, cidade que tem um centro histórico preservado, mas como não tem compromisso com a verdade literal dos fatos, os figurinos assumem o mesmo ar de comédia da narrativa. Saídas, sem dúvida, criativas para driblar a escassez de recursos algo que os recifenses poderão checar se surtiu (28) efeito desejado.

5.3 – Em ‘Zero Hora’

Editoria – Segundo Caderno

Capa

Terça-feira – 02 de maio de 1995

Título – Enfim, um filme brasileiro de sucesso

Subtítulo – “Carlota Joaquina, Princesa do Brazil”, de Carla Camurati, terá duas sessões de pré-estréia, hoje, o Iguatemi 2

TUIO BECKER

Quando esteve em Porto Alegre, no final de dezembro de 1994, apresentando uma sessão fechada, para publicitários, de Carlota Joaquina, Princesa do Brazil, Carla Camurati ainda não tinha idéia do possível sucesso de bilheteria que seu filme faria nos próximos meses. Na época, o filme tinha sido lançado apenas em São Luiz do Maranhão, em cujo centro histórico foi rodada grande parte das cenas externas.

Praticamente com as latas debaixo do braço, Carla tinha duas cópias do filme. No Rio, ela conseguiu uma sala para exibir o filme para alguns integrantes da equipe e do elenco. “O gerente do cinema assistiu também a sessão e, no final, me perguntou se eu tinha onde mostrar o filme, colocando a disposição a sua sala”, conta a realizadora.

A eficiente publicidade “boca a boca” fez com que o filme deslanchasse e em suas primeiras semanas de exibição no Rio, São Paulo e Belo Horizonte atingisse a cifra de 100 mil espectadores, aumentando em mais de 200 mil pessoas até meados de abril. Lamarca, de Sérgio Rezende, que tinha Carla Camurati em seu elenco, detinha o recorde de 200 mil espectadores no processo de reconquista do público pelo cinema brasileiro.

Carlota Joaquina, Princesa do Brazil conseguiu a unanimidade de público e crítica no julgamento de seus valores. “Foi um trabalho insano de oito meses, em que praticamente filmávamos uma semana por mês”, informa Carla, que em meio a realização de seu filme atuou em Lamarca a fim de arrancar mais dinheiro para tocar a produção.

Arriscando-se no difícil terreno do filme histórico, Carla e sua co-roteirista Melanie Dimantas optaram por imprimir um tom satírico à história da vinda de D. João VI e sua mulher, a princesa espanhola Carlota Joaquina, para o Brasil em 1807, escapando ao assédio das tropas de Napoleão Bonaparte. Com o auxílio dos caprichados figurinos e cenários de Tadeu Burgose Emília Duncan – Marcelo Pies colaborou nos figurinos -, mais a deslumbrante fotografia  de Breno Silveira, Carla multiplicou com inteligência e bom gosto os US$ 630 mil da produção de Carlota Joaquina, Princesa do Brazil. “Os problemas de produção foram superados porque todos queriam que o filme fosse feito”, entusiasma-se a realizadora, que anteriormente havia assinado os curtas A Mulher Fatal Encontra o Homem Ideal (1988) e Os Bastidores (1990).

Valendo-se de um grupo de atores de primeira linha, capazes de não deixar que a sátira descambe para o besteirol, Carla Camurati centra seu filme no talento de Marieta Severo, que vive o papel de Carlota Joaquina na fase adulta. Quando criança, a princesa espanhola é interpretada por Ludmila Dayer, uma menina descoberta pela atriz e que no meio do filme ouve, na Escócia de 1994, a história de uma princesa européia que fez furor no Brasil no início do século 19. Com diálogos em inglês, espanhol, português com sotaque lusitano e do Brasil mesmo, Carlota Joaquina, Princesa do Brazil é mais um sinal de vida do cinema brasileiro depois de cinco anos de trevas geradas pela Era Collor.

Carla Camurati, enquanto acompanha as exibições de Carlota Joaquina, Princesa do Brazil através do país – estará presente às duas pré-estréias de hoje – prepara com Melanie Dimantas o roteiro do seu novo filme, uma história sobre os problemas da terceira idade. Seguramente um tema tabu em termos de bilheteria, é mais um desafio a ser vencido pela diretora, premiada duas vezes em Gramado, como atriz coadjuvante por O Olho Mágico do Amor, de José Antônio Garcia e Ícaro Martins (1982), e como melhor atriz por Eternamente Pagu, de Normal Bengell (1987). Carlota Joaquina, Princesa do Brazil entra em cartaz na próxima sexta-feira, no mesmo cinema Iguatemi e, a partir do dia  9 na Sala (45) Paulo Amorim, da Casa de Cultura Mário (60) Quintana.

O QUE: Carlota Joaquina, Princesa do Brazil – de Carla Camurati. Com Marieta Severo, Marco Nanini, Ludmila Dayer, Maria Fernando e Marcos Palmeira. Comédia. Brasil, 1994, 100 min.

QUANDO: hoje às 19h30min. para os sócios do Clube Assinante ZH, e às 21h30 para o público em geral.

ONDE: no Iguatemi 3.


[1] Informativo Filme B – Edição 319

[2] Caderno C é o nome do caderno do Jornal do Commercio (Recife) voltado para o seguimento cultura.

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