Friday Night Lights

I was living in a devil town; I didn’t know it was a devil town“. Tais versos pertencem à “Devil Town“, canção que embala o teaser promocional da terceira temporada de “Friday Night Lights“. Não, a série não se passa em um subúrbio sucetível à psicopatas como a Wisteria Lane de “Desperate Housewives“, nem tenta desvendar a hipocrisia por trás do refinamento de Beverly Hills, Orange County, ou mesmo do balado Upper East Side de NY, cenário de “Gossip Girl“, outra série teen contemporânea, gênero no qual “Friday Night Lights” pode se encaixar com ressalvas simplesmente porque a conservadora Dillon, cidadezinha fictícia no interior do Texas, é justamente o oposto do que se tentou cercar a adolescência televisiva nos últimos anos. Trata-se de uma cidade pacata, sem grandes badalações, onde o único passatempo é, a princípio, uma verdadeira paixão.

Em Dillon, o futebol high-school das sextas à noite é um verdadeiro evento; seus jogadores, jovens entre os 15 e 18 anos, grandes astros. A adolescência não é, portanto, uma etapa a ser vivida entre a impulsividade e o limite, como retrata a já citada “Gossip Girl“, certamente influênciada pela inglesa “Skins“, a mais nova precursora em tratar o mundo-cão juvenil. Para os garotos do Dillon’s Panthers é algo mais simples: trata-se apenas do futebol e de como essa paixão os impulsiona a um futuro distante de sua limitada cidade natal. É justamente aí que as coisas se complicam: a paixão transforma-se de um momento a outro em obsessão; a série confronta seus próprios personagens com uma nova realidade que sabota todo o percurso realizado por estes sem chances para uma total restauração das coisas, abrindo possibilidade apenas para uma adaptação. Assim se completa a storyline do quarterback Jason Street (Scott Porter) que após acidentar-se em campo, se vê obrigado a seguir na carreira de treinador para continuar lidando com o esporte que tanto ama. Ou a de Smash William (Gaius Charles) garoto que em todo seu percurso tenta driblar o preconceito racial através do convencimento e da falsa auto-estima, e que acaba tendo seu futuro afetado justamente quando reage agressivamente a uma provocação racista.

O acidente com Jason Street logo no primeiro episódio da série abre espaço para a ascensão de outro personagem, Matt Saracen (Zack Gilford), garoto introspectivo que fora abandonado pela mãe, e cujo pai está a serviço no Iraque, obrigando-o assim a viver sob a tutela da avó, que apresenta os primeiros sinais alzheimer. Saracen, que nunca havia sequer saído do banco de reservas, não só tem a oportunidade de se tornar estrela do time, como encontra no técnico Eric Taylor (Kyle Chandler) uma espécie de figura paterna. Mas até mesmo para alguém como Saracen, que não tem muito o que perder, os ventos podem mudar. Em contrapartida, vem Tim Riggins (Taylor Kitcsh), galã bad boy, mas porém de caráter, cuja sorte lhe sorriu algumas vezes, mas que sempre fora por ele dispensada, e que chega a um momento de total letargia ao perceber que a high-school se foi e com ela a posição de astro do Dillon’s Panther.

Essa breve descrição da trajetória de alguns dos personagens já delineia muito sobre “Friday Night Lights“. Mais do que uma série adolescente, trata-se de uma história em que jovens são catapultados ao estrelato com a mesma rapidez com que despencam dessa posição e em que o happy end nunca é pleno (tal qual em Juno, filme recente que aborda o universo adolescente através dessa ideia ácida de que a felicidade nunca é completa, algo sempre fica pelo caminho). Trata-se, sobretudo, de uma história em que uma paixão (no caso aqui por um esporte) pode tomar caminhos completamente distintos, afinal, de nada adianta a dedicação do coach Taylor ao time, ou de sua esposa, Tammy Taylor (Connie Britton) ao colégio em que ocupa o cargo de diretora, quando o sentimento da pequena Dillon em relação ao esporte, parece ultrapassar uma fronteira perigosa, desafiando questões éticas e morais, que dizem respeito, inclusive, à educação da juventude vista nesse cenário.

Assim, encontramos uma Dillon dividida na quarta e atual temporada da série. De um lado West Dillon, que guarda apenas boas recordações de um passado recente, enquanto seus antigos heróis (Riggins e Saracen) vagam letárgicos e inertes pela cidade. Do outro, East Dillon, área mais pobre que vê sua escola ser reativada, assim com o antigo time, agora liderado por Eric Taylor, que fora expulso dos Panthers por uma questão de interesses dos “figurões” da cidade. A paixão pelo antigo time se tornara um câncer, como bem definiu em episódio recente um dos personagens. Resta agora reerguer o então inativo Lions, ainda que problemas como a falta de motivação, as dificuldades financeiras e educacionais e a criminalidade sejam empecilhos presentes à essa tarefa. A ideia da cooperação, do trabalho em equipe, estão presentes como sempre estiveram de forma muito positiva na série, ainda que, individualmente, cada personagem tenha se deparado com situações incontornáveis, tendo que abortar assim planos e sonhos. Há aí um certo sentimento de pessimismo, que não deixa de conferir realidade à trama. Bem verdade, assistimos West Dillon se afundar em meio ao orgulho e à obsessão, enquanto East Dillon se debate para ressurgir enquanto tudo corrobora contra. O futebol, esporte símbolo dos Estados Unidos, serve de cerne para esta que não deixa de ser uma interessante crônica americana, num microcosmo que pouco tem da riqueza e exuberância que estamos acostumados a ver/acreditar. A série escancara assim os problemas sócio-econômicos (a crise imobiliária chega a ser abordada em determinada storyline), os fanatismos e as limitações de uma cidadezinha pacata e conservadora. Têm-se aí um olhar reverso e curioso ao american way of life.


Alvaro André Zeini Cruz é graduando em Cinema pela Faculdade de Artes do Paraná (FAP).  www.estudantepagameia.blogspot.com

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