Introdução à “Trilogia Militar” de Roberto Rossellini: Tão Longe, Tão Perto do Fascinante Fascismo

Cid Vasconcellos é doutor e professor na UNIFOR

Pouco antes de realizar suas obras-primas mundialmente conhecidas como “trilogia da guerra”, sendo que a primeira delas, Roma, Cidade Aberta (1945), seria considerado o marco fundador do Neo-Realismo e um dos filmes mais influentes da história do cinema, Roberto Rossellini realizou outra trilogia também abordando temas relativos à guerra e menos conhecida. Trata-se dos filmes La Nave Bianca (1941), Un Pilota Ritorna (1942) e L’Uomo dalla Croce (1943).

Optou-se pela denominação “Trilogia Militar” e pela recusa de “Trilogia Fascista”, referida em vários autores, inclusive nos influentes textos de Ben-Ghiat (2000, 2001)  por não se acreditar que exista identificação irrestrita entre a ideologia fascista e a produção cinematográfica produzida em seu período, como defendido por Ricci (2008), preferindo se referir “a filmes produzidos durante o fascismo”. Por outro lado “Trilogia da Guerra”, que chegou a ser escolhido em determinado momento, até mesmo pelas vantagens que apresentava ao se referir tanto a diegese dos filmes em questão, quanto ao período em que foram produzidos, contava com a dificuldade de poder ser confundida com a outra “trilogia de guerra” acima referida.  Já o termo “Trilogia Militar” se torna interessante até mesmo por se aproximar mais da intenção inicial dos três filmes, cada um abordando aspectos relativos de uma das três forças armadas, mesmo sabendo ser tal denominação tampouco isenta de problemas, no sentido que parece não abranger os três filmes com a mesma intensidade. Un Pilota Ritorna e La Nave Bianca poderiam ser percebidos como em grande parte voltados para a descrição do processo organizacional da força aérea e da marinha respectivamente, mas em L’Uomo dalla Croce, isso se daria em bem menor medida, até pelo fato de seu protagonista se identificar mais com a Cruz Vermelha do que propriamente com a hierarquia militar do Exército.

A produção cinematográfica dirigida por Roberto Rossellini na “Trilogia Militar”, mesmo apresentando características que a diferenciam de boa parte da produção contemporânea em questão,  encontra-se longe de abordar temáticas que eram opostas ao ideário fascista, como é o caso do contemporâneo Obsessão (1943), de Luchino Visconti, que teve sua exibição censurada poucos dias após o lançamento[1]. Pelo contrário, aparentemente se tratava apenas de filmes apologéticos ao regime, e como tais, inclusive, chegaram a ser desconsiderados por Visconti enquanto precursores do Neo-Realismo (Faldini e Fofi apud Fabris 2006:199)

Porém um exame mais detido proporciona leituras de filmes que, mesmo não entrando em choque diretamente com o ideário em questão, tampouco o enfatizam, aproximando-se nesse sentido da produção brasileira de ficção similar.[2]

Segundo Ricci (2008:2) a historiografia sobre o cinema tem muitas vezes ignorado a produção efetivada durante o fascismo por simplesmente considerá-la automaticamente como fascista, portanto não merecedora de qualquer análise mais detida ou, por outro extremo, acreditarem na inexistência propriamente de um cinema fascista, já que grandes obras de arte não poderiam ser reduzidas a julgamentos políticos ou ideológicos. Enquanto o cinema produzido antes da Libertação de fato tem sido sistematicamente ignorado pelos historiadores do cinema até um período relativamente recente, pode-se especular a respeito da segunda observação. Com relação a ambas as afirmações o autor não cita as fontes em questão aos quais se refere, tornando-as um tanto genéricas e, em decorrência, bastante questionável a suposição de que toda uma corrente que se detém sobre a questão afirme, através de argumentos tão simplórios, a inexistência de um “cinema fascista” – quando não o seja, porque a maior parte do que é produzido pelo cinema não pode ser enquadrado como “grandes obras de arte”.

O tom laudatório é algo bastante comum em produções de regimes autoritários. É o que se pode afirmar de praticamente toda a produção soviética do período, com especial destaque para o épico monumental A Queda de Berlim (1949), de Mikheil Chiaureli. Algo de semelhante também pode ser observado no caso da produção alemã. Dadas as restrições de espaço, uma opção consciente foi a de limar igualmente maiores observações sobre o contexto histórico do cinema produzido sob o fascismo, das características peculiares ao regime fascista na Itália e observações de caráter metodológico em favor de uma primeira análise exploratória da própria produção em questão.

Como produção de propaganda, os filmes de guerra realizados durante o regime fascista pretensamente tenderiam a apresentar heróis positivos em sua energia, comando e liderança, tais como os observados em produções de outros regimes autoritários e não muito diferentemente na própria produção de países democráticos. No caso da produção italiana, do período em questão, ou seja, últimos anos do regime de Mussollini, e principalmente no caso específico de Rossellini, dificilmente tal definição poderia ser aplicada sem restrições.

Talvez se tornasse mais produtivo pensar que mesmo filmes mais diretamente compreendidos como de propaganda muitas vezes trazem elementos que fogem da idéia de “consenso” que é normalmente associada com os regimes autoritários, daí talvez a relativa imprecisão que se poderia alcunhar um filme como “fascista”. Algo que já seria inerente ao próprio cinema, dada a sua potencial polimorfia expressiva, contando com pelo menos cinco pistas de expressão (imagem, diálogos, ruídos, música e materiais escritos) como aponta Metz (1980).

Para efeitos comparativos do elemento laudatório ou heroicizante na produção em questão ou para apresentar a impossibilidade de se ficar restrito somente aos mesmos e dada a restrição do espaço resolvi no presente artigo me deter sobretudo em  um dos três filmes da trilogia referida, Un Pilota Ritorna (1942). Seria interessante, inclusive,  noutro momento, traçar um paralelo mais detido dessa produção em relação a I 3 Aquilotti (1942), de Mario Mattoli. Ambos os filmes não apenas fazem parte de um ciclo de “filmes de guerra” que compuseram uma significativa parcela da produção do período (25 dentre 400 no perodo 1940-3 segundo Rondolino, 1983 : 238), como dentro desse ciclo mais amplo fazem parte de um subgênero voltado para a força aérea. Ambos também compartilham locações em comum, como é o caso da base aérea, que tanto serve para o protagonista do filme de Rossellini quanto para a dupla principal e várias dezenas de extras do filme de Mattoli, algo que não se deve estranhar, sobretudo quando se sabe que,  foram produzidos com apoio o suporte técnico e supervisão artística do Centro Fotocinematográfico do Ministério da Aeronáutica que declara, em um almanaque de cinema italiano da época que “hoje o centro está em ativa operação preparando quatro longas-metragens que irão exaltar os feitos dos pilotos italianos que serão lançados na ocasião do vigésimo aniversário da fundação da Força Aérea.” (Rondolino, 1983 : 232).

O fato dos resultados terem sido distintos, quanto ao que se pode considerar como a exaltação dos “feitos dos pilotos italianos”, demonstra que mesmo sem evidentemente se contraporem ao objetivo supracitado, os filmes, por sua própria complexidade de signos em interação direta não apenas com os códigos sociais da época mas igualmente com referências do próprio universo cinematográfico, incluindo Hollywood, tornam-se ambíguos quando se deparam com os códigos do melodrama ou do realismo que começava a ser articulado por Rossellini, a partir da influência de Francesco De Robertis. De fato, à primeira vista, mesmo o realismo do cineasta sendo bem mais “domesticado” que o de um filme como Obsessão (1943), de Visconti, tampouco deixava de apresentar em suas imagens – sendo o mesmo verdade até mesmo para os filmes de maior adesão à causa fascista como os de De Robertis – aspectos pouco positivos da realidade militar.

Un Pilota Ritorna se torna particularmente interessante enquanto motivo das ambiguidades presentes na mensagem ideológica, mesmo de filmes produzidos durante regimes autoritários, no sentido de que dos filmes da trilogia certamente é o que mais se aproximaria de tal perfil pretensamente apologético. Além de contar com um personagem visivelmente mais elitizado e vivido não somente por um ator profissional, ao contrário dos outros dois filmes, mas pelo galã mais em evidência no cinema italiano do momento, Massimo Girotti[3], o que implicava uma forte dimensão extratextual e transtextual  para o público da época,  talvez seja igualmente o filme que, desde o seu início, divisa de modo mais evidente quem será o seu protagonista, estabelecendo uma linha dramática mais convencional nesse sentido.

Como nos outros dois filmes da trilogia, talvez uma dos elementos que mais chama a atenção nos protagonistas é que eles, por mais bravura e fibra que demonstrem em ação, encontram-se à margem do personagem que possui um espírito de liderança. No caso do capelão de L’Uomo dalla Croce (1943), por se encontrar praticamente à margem da hierarquia direta do exército e nem ao menos ser filiado ao Partido Fascista. Já em La Nave Bianca, por ser um jovem tímido que é apresentado de forma bem mais simpática do que seu contraparte mais viril e representativo de uma liderança ao qual todos os outros soldados gravitam. E, por fim, no caso do personagem vivido por Girotti em Un Pilota Ritorna, por ser recém-egresso no batalhão.

Rossellini costumava afirmar que filmes de guerra são particularmente filmes “corais”, principalmente quando lhe contrapunham a produção realizada após a sua segunda trilogia de guerra. No caso,  tal produção se encontraria mais centradada na observação dos fatos a partir do filtro de uma personagem privilegiada (vivida quase sempre por Ingrid Bergman, nos filmes que realizou com a atriz), ainda que o realizador tampouco deixe de observar a presença da coralidade em um filme como Francisco, Arauto de Deus (1950).

Torna-se importante perceber o quanto essa dimensão coral se encontra presente na trilogia em questão, inclusive ao não evidenciar de imediato, com a já referida exceção de Un Pilota Ritorna, quem exatamente é o protagonista – no caso de L’Uomo dalla Croce, isso não ficando evidente até os dez minutos iniciais do filme. E mesmo no caso da exceção apontada, é bastante significativo os momentos em que tal protagonismo é atenuado ou descentrado. Tal dimensão coral é ainda mais reforçada quando se tenta fazer uma anamnese do primeiro contato com os filmes, ainda marcados pelas ambiguidades, hipóteses de uma narrativa em movimento, ainda não cristalizada ou dissecada de forma extensiva pelas sucessivas revisitações do pesquisador. Esse, inclusive, pode ser um parâmetro interessante para se criar uma aproximação com a espectatorialidade possível na época do lançamento desses filmes, a da apreciação corrida de um filme, sem interrupções, pausas ou retornos.

Un Pilota Ritorna: O protagonista em segundo plano, situação recorrente ao longo do filme

Por fim, gostaria de ressaltar que até mesmo Un Pilota Ritorna sendo talvez o mais próximo do que se convencionaria chamar de filme de propaganda – herói positivo, da elite e galã, uso relativamente mais restrito do elemento coral – tampouco deixa de apresentar elementos que caminham em sentido oposto, como mesmo uma análise ainda exploratória pode perceber.

Mesmo que Gino seja o único definido desde o início como protagonista na trilogia, a percepção dele como personagem principal se torna bem menos enfática em três das seqüências que seguem a apresentação do filme. Na primeira, um almoço que será o primeiro contato de Gino com os oficiais que irá trabalhar de modo mais ou menos próximo, apenas no décimo sétimo dos 29 planos da mesma, é que o personagem irá se manifestar e aos poucos terá a atenção voltada para si. No caso da seqüência seguinte, que ocorre numa espécie de prostíbulo camuflado[4], ele é presença completamente passiva, não chegando a se manifestar verbalmente a não ser para reforçar o que outro personagem já expressara sobre o avançado da hora. Por fim, numa das mais longas seqüências do filme, que apresenta a primeira participação de Gino em combate, sua presença, inclusive em termos visuais, torna-se por vezes bastante secundarizada, seja pela alternância de planos apresentando os diversos participantes da esquadrilha, seja no próprio cockpit do avião no qual Gino se encontra, na qual um piloto mais experiente e seu companheiro de quarto é que ganha maior destaque em muitos dos planos.

Todos esses elementos apontam para a referida coralidade, que Rossellini defendia como essencial a esse novo tipo de realismo, ou seja, para um posicionamento que nem aceite os códigos do cinema clássico de matriz hollywoodiana, em que a hierarquia entre personagens principais e secundários é sempre bastante definida, servindo a ação dos primeiros, inclusive, como motor para o avanço da narrativa, nem tampouco subjuge o indíviduo diante da coletividade, tal como ocorria com freqüência no cinema de montagem soviético tão admirado pelo mentor de Rossellini, Francesco De Robertis, algo perceptível em filmes como Alfa Tau! (1942), assim como pelo próprio Rossellini, como demonstra sobretudo La Nave Bianca.

Algumas indagações e possibilidades

Em se tratando de um artigo que parte de pesquisa ainda em seu início, pretende-se concluir com mais dúvidas e indagações do que propriamente conclusões: existiriam definições mais precisas para o termo coralitá na época, sempre tido como dado e nunca problematizado até onde avançou a pesquisa bibliográfica sobre a época? Minha hipótese, partindo da leitura dos próprios filmes quanto das entrevistas de Rossellini  é bastante distinta da função do coro grego, tal como é percebido na representação do garoto de Ladrões de Bicicleta (1947), de Vittorio De Sica por Bazin (1990), endossada e apropriada por Pirro (2009) na sua ânsia de demonstrar os vínculos entre a tragédia grega e o drama neo-realista. Quais os pontos comuns e divergentes do realismo surgido na redação da revista Cinema e defendido por Rossellini em sua trilogia com a proposição de um novo realismo dos estetas fascistas?  Mesmo o realismo de Rossellini se mantendo mais “domesticado” que o de Visconti, até que ponte não pode se afirmar ser em termos formais mais ousado que o daquele? Até que ponto a produção italiana do período, e sobretudo no caso a trilogia em questão se identificaria com a concepção monumental do fascismo enquanto elemento de fascínio sugerida por Sontag (1986)?

Talvez se tomassemos como critério explorar a trilogia apenas através da análise fílmica, mesmo que a relacionando com a produção contemporânea italiana ou norte-americana, traçassemos hipóteses mais distorcidas. De fato, a partir de La Nave Bianca, ter-se-ia apenas a noção de que o filme relativamente se afastaria do tom de exaltação fascista presente em outras produções da época como I 3 Aquilotti ou Alfa Tau! Porém, por outro lado, não se dimensionaria o fato de que apesar de fazer parte dos filmes mais identificáveis como de propaganda e de apresentar experimentações estéticas que o diferenciam bastante da produção clássica hollywoodiana e de seus equivalentes nacionais produzidos na Itália, o filme foi um enorme sucesso de crítica e de público, tornando-se uma das maiores bilheterias do ano. E se integraria perfeitamente na busca de uma estética e conteúdo que seguem a mesma conjugação de “disciplina estética e psicológica” que havia sido saudade em Uomini sul Fondo, de De Robertis. Ou seja uma nova forma de se contar uma história, que moldava uma ficção a partir da mais “seca” composição documental que fazia uso de locações e “atores naturais”, casando-se com uma contenção dramática por parte dos soldados que demonstrava uma disciplina nas ações de risco que contradizia os resultados pífios da Itália no campo de batalhas real. (Ben-Ghiat, 2001: 176). Portanto, longe de se encontrar à margem do establishment cinematográfico como se poderia pressupor a partir de uma leitura somente textual, o filme de Rossellini se encontrava no centro da cena cultural e ideológica de sua época.

Referências

ALMEIDA, Cláudio Aguiar de. Cinema como Agitador de Almas: Argila, uma Cena do Estado Novo. Annablume: São Paulo, 1999..

BEN-GHIAT, Ruth. Fascist Modernities: Italy, 1922-1945.Berkerley: U of California Press, 2001.

_____________. The Fascist War Trilogy in: (orgs.) David Forgacs, Sarah Lutton & Geoffrey Nowell-Smith. Roberto Rossellini: Magician of the Real. Londres: BFI, 2000.

CARVALHO, Cid Vasconcelos de. Melodrama e Nação no Cinema Brasileiro dos anos 1940. Tese de Doutorado em Sociologia, Universidade Federal do Ceará, 2007.

FABRIS, Mariarosaria. O Neo-Realismo Cinematográfico Italiano. São Paulo: Edusp, 1996.

__________. O Neo-Realismo  Italiano in: in: MASCARELLO, Fernando (org.). História do Cinema Mundial. Campinas: Papirus, 2006.

METZ, Christian. A Significação no Cinema. São Paulo: Perspectiva, 1980.

PIRRO, Robert. Cinematic Traces of Participatory Democracy in Early Postwar Italy: Italian Neorealism in the Light of Greek Tragedy [on line] [2009] Disponível na internet: http://www.thefreelibrary.com/Cinematic+traces+of+participatory+democracy+in+early+postwar+Italy%3A…-a0218658340. Arquivo acessado em julho de 2010.

RICCI, Steven. Cinema and Fascism: Italian Film and Society, 1922-1943. Berkerley/Los Angeles: University of California Press, 2008.

RONDOLINO, Gianni. Italian Propaganda Films: 1940-1943 in: SHORT, Kenneth R.M. (org.) Film & Radio Propaganda in World War II. Beckenham: Croom House, 1983.

SONTAG, Susan. Sob o Signo de Saturno. Porto Alegre: L&PM, 1986.

WAGSTAFF, Christopher. Italian Neorealist Cinema: An Aesthetic Approach. Toronto: U of Toronto Press, 2007.


[1] A censura ao filme de Visconti, que acabou sendo lançado com cortes é bastante significativa das relações contraditórias no âmbito do regime autoritário italiano; o filme quando de sua produção havia recebido resenhas elogiosas em um órgão oficial do Partido Fascista, Lo Schermo por um lado, mas teve seus roteiristas presos por alguns meses, após seu lançamento. Cf . Ben-Ghiat, 2001: 197.  Outro exemplo significativo é a mesma Lo Schermo apresentar em um mesmo número um editorial que faz menção desqualificadora ao cinema norte-americano como de “bandeira judaica em sua inspiração e conteúdo” e Vittorio Mussolini ainda defendendo posições em nada diversas das apontadas em sua própria revista Cinema, em 1936, sobre a necessidade do cinema italiano se basear no modelo norte-americano e não europeu. E isso em pleno 1941, quando todo um movimento de radicalização em torno de uma indústria nacional com pretensões de domínio no mercado europeu já se fazia presente, assim como o anti-semitismo e uma substituição do espaço reservado à produção hollywoodiana direcionada para as cinematografias do Eixo, sobretudo a alemã. Sobre as considerações de Mussollini em Cinema cf. Mide e Quagliette apud Fabris, 1996: 95; as críticas em Lo Shermo, cf. n.1, 1941.

[2]A produção brasileira em questão, guardadas as devidas proporções,  possui diversas similaridades com o modelo fascista, tendo sido igualmente os filmes mais diretamente de propaganda restritos à produção de curta-metragem, sendo que no caso dos longas ficcionais esse apelo foi de certo modo diluído ou contraposto pela ênfase na dimensão melodramática. Sobre a produção em questão de longas-metragens cf. Carvalho (2007) e Almeida (1999).

[3] O ator, no auge de sua carreira, já carregava no currículo sua participação no filme talvez mais louvado da cinematografia italiana do período em sua própria época, A Coroa de Ferro (1940), no qual encarnava justamente um herói viril numa fantasia construída em cima de uma mitologia nacional. O ator, por sinal, pode ser apropriado como exemplo das nuances que impregnam o cinema italiano em relação ao alemão: ao contrário dos quase monolíticos papéis endereçados a estrela nazista por excelência, Kristina Söderbaum, Girotti pode ser encontrado tanto em A Coroa de Ferro, de um dos realizadores mais apreciados pelos fascistas, Alessandro Blasetti quanto em Obsessão (1943), de Visconti, considerado como o filme por excelência  que mais se contrapôs ao ideário fascista.

[4] Seqüência particularmente rica, particularmente a partir da leitura efetivada por uma das prostitutas de uma matéria laudatória ao heroísmo dos pilotos e sua dedicação às famílias em um jornal e que sugere uma extrema ironia diante do momento em questão, contradição particularmente pouco comum tampouco em filmes de propaganda contemporâneos produzidos em outras nações; dentre as associações possíveis e não excludentes para compreender a apresentação de tal situação se encontram desde a valorização da virilidade pelo fascismo, que passou a ser ressignificada a partir do momento em que se observou a quantidade de soldados portadores de doenças venéreas desde as campanhas militares na Etiópia até o próprio sensacionalismo erótico, em que a nudez tanto feminina (A Coroa de Ferro, La Cena delle Befe, Desiderio) quanto masculina (I 3 Aquilotti) não eram incomuns, o que não vem a ser o caso da trilogia, num aporte à primeira vista bastante distinto da sugerida pela produção alemã contemporânea.

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