MÉDIA DE PAVEL KOUTSKÝ: O CONSUMO DA MÍDIA SOB O OLHAR DA ANIMAÇÃO

PAVEL KOUTSKÝ’S MÉDIA: THE CONSUMPTION OF THE MEDIA FROM THE ANIMATION’S PERSPECTIVE.

André Luís Santini[1]

Resumo

A relação entre o homem e a mídia é um assunto amplamente estudado e discutido. Este artigo tem por objetivo fomentar esta discussão utilizando-se de um filme de animação como elemento condutor. O corpus deste trabalho é o curta- metragem de animação Média do ilustrador tcheco Pavel Koutský que, mesmo datado de 1994, possui um olhar contemporâneo em sua narrativa ao demonstrar a relação de consumo entre o homem, a informação e os meios de comunicação.

Palavras-chave: animação, consumo de mídia, hibridismo e convergência.

Abstract

The relationship between man and the media is a widely studied and discussed topic. This article aims to foster the discussion using an animated film as conductive element. This work’s corpus is the short film animation Média from illustrator czech Pavel Koutský that even dated 1994, has a contemporary look in its narrative to demonstrate consumer relations between humans, information and media.

Keywords: animation, media consumption, hybridity and convergence.

Introdução

Cabe ao olhar mais do que lhe é dado a ver.

Adauto Novaes

Para os organizadores e curadores do Festival Anima Mundi, o cinema de animação tcheco tem uma excelente tradição. Um dos filmes selecionados na segunda versão do festival, em 1994, foi Média, do tcheco Pavla Koutského, ou Pavel Koutský na versão ocidental do nome.

Professor do departamento de Animação da Escola de Artes de Praga (FAMU), Koutský é também cartunista, roteirista e diretor reconhecido e premiado pelos principais festivais mundiais de cinema e animação.

Koutský aponta, na página do Departamento de Animação da FAMU, no espaço de divulgação do seu Workshop de Desenho Animado Moderno, que tem dois objetivos nesta oficina: o primeiro é o de ensinar aos alunos o ofício básico da animação como incentivo ao pensamento criativo; o segundo é o de trabalhar projetos individuais nos quais cada aluno possa transmitir sua experiência e suas dúvidas. O pensamento de Koutský ganha maiores proporções quando analisamos sua filmografia e a opinião de Jirí Barta[2], convidado para escrever sobre o amigo no catálogo do Prêmio Ciudad de Huesca (2002) em que o diretor de animação fora homenageado:

Ele tem influenciado o modo de pensar e o trabalho de muitos dos nossos alunos. Seu trabalho pode ser identificado, à primeira vista, não só pela animação brilhante e sua direção, mas especialmente pelo humor característico, inteligente e fantasioso. É o tipo de humor que levanta um sorriso calmo e sossegado em vez de explosões de risos maliciosos. (BARTA, 2002) [3].

Esta possibilidade, apontada por Jirí Barta em relação ao trabalho de Koutský, é reforçada por Denise Guimarães quando esta discute o hibridismo no cinema contemporâneo e afirma que hoje as ações dos cineastas abrangem todo um universo de parâmetros que levam em conta o ponto de vista, as dimensões, o movimento e inúmeros outros fatores envolvidos no processo de filmagem: “Tudo depende do grau de ruptura dos clichês, da sensibilidade ligada a um modo polifônico de ver, que transforma o simples olhar em visão: da atitude estética que multiplica os pontos de vista”. (GUIMARÃES, 2005, p.13).

No vídeo de animação Média, objeto deste estudo, Koutský demonstra uma severa crítica ao consumo da mídia colocando o homem como figura central que, em diversas situações, tenta escapar do direcionamento da informação. O roteiro intercala a presença de um boneco animado no papel manipulado por meio da imagem dos braços de um sujeito real no papel de manipulador, um ser humano independente que domina o ser animado. O material é composto, basicamente, por duas técnicas distintas: a animação por célula, que dá vida ao personagem central, o ser manipulado, e o recurso do stop-motion, que define o papel do manipulador na narrativa. Em um comentário registrado no blog DigArtMedia, o curta ganha o merecido papel de mediador devido ao fato de ter dois planos, e portanto, duas narrativas, fazendo com que esta consciência da mediação aumente (FERNANDES, 2009). É neste cenário que o conceito de hibridismo defendido por Arlindo Machado (1997) é totalmente aplicável. Principalmente quando o autor afirma que o vídeo é, essencialmente, um sistema híbrido por operar com códigos significantes distintos, parte importados do cinema, do teatro, da literatura, do rádio, da fotografia e, recentemente, da computação gráfica. O discurso videográfico, segundo Machado, é impuro por natureza, pois ele reprocessa diferentes formas de expressões que quando colocadas em circulação por outros meios, ganham novos valores.

Figuras 1 e 2 – Frames do curta-metragem de animação Média.

Ao analisarmos a filmografia de Pavel Koutský, vemos que Média (1994) é, seguramente, seu trabalho com maior número de premiações. À medida que estudamos um pouco mais este material, entendemos as razões de tamanho reconhecimento. Mais do que um assunto de interesse contemporâneo uma vez que o diretor traz à luz a discussão do consumo da mídia, o roteiro ainda tangencia outros preceitos da relação do homem com a comunicação e o consumo.

Um breve histórico da animação

Giacomantonio (1981, p.53 apud GUIMARÃES, 2005, p.13) afirma que a sequência é o primeiro degrau da linguagem fílmica. Nesta linha de raciocínio a história do cinema está intrinsecamente ligada à história da animação, tendo a fotografia como premissa de uma séria de experiências com foco na análise do movimento humano e animal.

Como precursores dessas experiências vale sempre citar os brinquedos óticos de William Horner, relojoeiro inglês cujo zootroscópio (ou roda da vida), datado de 1834, trazia desenhos em tiras de papel e montados em um tambor giratório com frestas que, ao girar, exibia as imagens em movimento. Bem como o praxinoscópio de Emile Reynaud, professor de ciências francês, cujo invento, datado de 1877, pode ser considerado um descendente direto do zootroscópio. Nele, basicamente, as frestas do tambor são substituídas por uma série de pequenos espelhos, com cada um destes refletindo uma das imagens da tira de desenhos colocada na circunferência. Por não ser mais necessário olhar pelas frestas e sim diretamente nos espelhos, as imagens apresentavam uma leve cintilação, o que causava uma nova experiência para quem assistia ao fenômeno.

Barbosa Junior (2005, p.36) complementa esta cronologia quando aponta que Raynaud, em 1892, inaugura seu Teatro Óptico, fruto de uma série de aperfeiçoamentos de seu primeiro invento. Seriam os primeiros ensaios das salas de cinema, o público estava diante de projeções de 15 minutos, chamadas pelo seu inventor de pantomimes lumineuses e que contavam com uma considerável tecnologia de projeção, desenhos coloridos apresentados com enredo, trilha sonora sincronizada e personagens adaptados ao cenário.

Figura 3 – Zootroscópio

<www.precinema.wordpress.com>

Figura 4 – Proxinoscópio

<www.precinema.wordpress.com>

Outro acontecimento significativo neste histórico dos primeiros ensaios da animação vem de Eadweard Muybridge. Fotógrafo anglo-americano responsável por uma experiência com fotografias sequenciais que comprovaram que um cavalo de corrida, em determinados momentos, tirava as quatro patas do chão. Tal feito foi realizado por meio de uma bateria de 24 câmaras fotográficas dispostas sequencialmente em uma pista de corrida, à medida que o cavalo corria, esbarrava em fios que levantavam os obturadores. Com essas imagens sequenciais, Muybridge construiu o zoopraxinoscópio em 1879, outro brinquedo ótico, agora composto não mais por desenhos e sim por fotografias.

Figura 5 – Sequencia de Eadweard Muybrifge

<www.kinodinamica.com>

O franco desenvolvimento das técnicas de animações trouxe também na sua esteira o que Barbosa Junior chama de modelos artísticos:

Se a arte, porém, não está na tecnologia em si mesma, mas nas possibilidades expressivas que a tecnologia proporciona, a animação teria de voltar-se para modelos artísticos tradicionais relacionados à produção visual e que, de preferência, lidassem com o movimento através do tempo, de maneira a formar sua própria identidade. Na verdade, o cinema como um todo ansiava por estabelecer uma estrutura narrativa e um código estético. As artes gráficas irão fornecer o material básico. (BARBOSA JUNIOR, 2005, p.46).

O próximo passo natural foi a industrialização da animação. Inicialmente este processo não contava com profissionais experientes e sim com desenhistas talentosos, carentes das demais habilidades necessárias ainda por serem descobertas. Solomon apud Barbosa Júnior (2005) afirma que o desafio dos pioneiros desta industrialização era enorme, pois para o autor não era  suficiente desenvolver a animação propriamente dita, mas sobretudo obter respeito profissional e criar audiência que pudesse apreciar e aceitar os movimentos e expressões de personagens desenhados em papel.

Nasciam, assim, os estúdios de animação:

Para produzir animação de maneira rápida e barata, a fim de atender a prazos e orçamentos curtos, surgem os estúdios de animação, apoiados em novas técnicas e organização empresarial. Criados e gerenciados por animadores autodidatas no domínio do processo básico de animação, esses empreendedores recrutavam sua mão-de-obra nos departamentos de arte dos jornais, ensinando aos jovens cartunistas os rudimentos da animação. Só mesmo o grande talento desses artistas (que formarão a primeira geração de grandes mestres) para explicar o excepcional desenvolvimento técnico e artístico da animação entre as décadas de 1910 e 1940. (BARBOSA JUNIOR, 2005, p.61).

Logo após os dissabores da Primeira Guerra Mundial, o mundo conhece personagens animados como o Gato Felix, do artista Otto Messmer, e, na segunda metade da década de 1920, o eterno Mickey Mouse, de Walt Disney.

A partir deste feito a animação continua sua história totalmente atrelada ao desenvolvimento tecnológico.

Impossível deixar de citar o maior esforço brasileiro na disseminação da arte da animação: O Festival Internacional de Animação – Anima Mundi que completa vinte anos no ano de 2012. Maior festival do gênero na America Latina, o festival exibe curtas, média e longas-metragens de animação, além de seriados e comerciais das mais variadas técnicas e linguagens narrativas. Ainda conta com um conjunto de oficinas livres e gratuitas que estimulam os espectadores a produzir suas próprias animações através de diferentes técnicas: desenho animado 2D, zootropo, massinhas, recortes, etc.

Animação, da negação ao reconhecimento

Uma vez que o conceito de cinema equiparou-se ao de tecnologia, cortaram-se todas as referências de suas origens. Para Manovich (2002), tudo que caracterizava imagens em movimento antes do século XX – a construção manual de imagens, a natureza discreta do espaço e do movimento – foi relegado a um “cinema bastardo, uma sombra”: a animação. Aos olhos do autor, a animação do século XX tornou-se depositária das técnicas de imagens em movimento deixadas pelo cinema do século XIX:

(…) A animação coloca em primeiro plano o seu caráter artificial, admitindo abertamente que suas imagens são meras representações. Sua linguagem visual é mais alinhada com o gráfico do que ao fotográfico. (…) Em contraste, o cinema trabalha duro para apagar todos os vestígios de seu próprio processo de produção, incluindo qualquer indicação de que as imagens que vemos poderiam ter sido construídas ao invés de gravadas. (MANOVICH, 2002) [4].

O autor finaliza este raciocínio afirmando que inúmeras técnicas que permitiram a construção de imagens em movimento e que poderiam revelar que o cinema não era muito diferente da animação, foram empurradas para a periferia do cinema por seus praticantes, historiadores e críticos.

Hoje, contudo, Manovich (2002) aponta o advento da mídia digital como premissa para essas técnicas marginalizadas moverem-se novamente para o centro das atenções. A resposta a sua própria pergunta “O que é cinema digital?” elucida bem a releitura de imagens em movimento: “O Cinema Digital é um caso particular de animação que usa cenas de ação ao vivo como um de seus vários elementos”.

Para o autor, a animação ressurge como fundamento do cinema digital onde história da imagem em movimento faz um círculo completo. Nascido da animação, o cinema de animação é empurrado ao seu limite apenas para se tornar um caso particular de animação no final.

Machado também comunga da afirmação de Manovich quando aponta que hoje, o que se passa no universo das imagens, desde a fotografia até as mais modernas ferramentas digitais, nada é propriamente novo e sim, o aprofundamento de uma tendência que tem, pelo menos, quinhentos anos de história. “Podemos caracterizar grosseiramente como a assunção do artifício como destino mesmo da imagem”, afirma o autor (MACHADO, 1997, p.224).

A animação de Koutský e o consumo da mídia

Na esteira desse novo olhar sobre a animação, fundamentado por Machado (1997) e Manovich (2002), não podemos deixar de trazer à luz o cinema do tcheco Pavel Koutský, em especial, seu curta-metragem de animação Média.

No vídeo, o roteirista e diretor, ao estabelecer notoriamente uma crítica ao consumo da mídia, dá forma ao discurso de Silverstone (2005, p.33) quando este afirma que devemos pensar na mídia também como um processo de mediação, principalmente quando esta se estende para além do ponto de contato entre os textos midiáticos e seus leitores ou espectadores. O autor aponta a necessidade de considerarmos o fato de que a mídia envolve produtores e consumidores dela própria numa atividade quase contínua de engajamento e desengajamento, cujos significados propagam a experiência. Isso fica claro no vídeo, logo no início, quando é oferecida ao personagem animado a mídia por meio da imagem real de um jornal que, sob o recurso de stop-motion, alterna sua posição, fazendo com que o personagem o siga com o olhar, quase que sob um efeito hipnótico. O personagem chega até fazer uso de seus óculos para um melhor aproveitamento daquela mídia (figuras 6 a 9).

Figuras 6 a 9 – Frames do curta-metragem de animação Média.

Silverstone também aponta o poder da mídia em influenciar e mudar o processo político, o poder de mudar o equilíbrio de forças entre o Estado e o cidadão (figuras 10 a 13), bem como o poder de incitar e guiar nossa reflexão. Sobre o motivo de estudarmos a mídia, o autor cita:

Estudamos a mídia porque nos preocupamos com seu poder: nós o tememos, o execramos, o adoramos. O poder de definição, de incitação, de iluminação, de sedução, de julgamento. Estudamos a mídia pela necessidade de compreender quão poderosa ela é em nossa vida cotidiana, na estruturação da experiência, tanto sobre a superfície como nas profundezas. E queremos utilizar este poder para o bem, não para o mal.(SILVERSTONE, 2005, p.264).

Este último pensamento é retratado por Koutský quando seu personagem animado é influenciado pela figura do jornal que, em forma de seta, induz seu caminho. Ele também é interceptado pelo mesmo jornal que, sob a forma de um saca-rolha, abre sua cabeça para introduzir mais informações (figuras 14 a 17).

Figuras 10 a 13 – Frames do curta-metragem de animação Média.

Figuras 14 a 17 – Frames do curta-metragem de animação Média.

Quanto ao consumo propriamente dito, Koutský força a percepção do tangível quando demonstra a relação entre mídia e alimento. O personagem humano retira do globo um pedaço de carne crua que, ao ser preparado como um bife, é colocado em uma panela sobre o fogo e transforma-se em um jornal para ser oferecido ao personagem animado (figuras 18 a 21). Isso está em perfeita sintonia com Silverstone quando este afirma que o consumo é a única atividade essencial que nos liga à cultura do nosso tempo. Contudo, ele também aponta o fato de que consumo e mediação são, sob vários aspectos, interdependentes: “Consumimos a mídia. Consumimos pela mídia. Aprendemos como e o que consumir pela mídia. Somos persuadidos a consumir pela mídia. A mídia, não é exagero dizer, nos consome.” (SILVERSTONE, 2005, p.264).

Figuras 18 a 21 – Frames do curta-metragem de animação Média.

A animação de Koutský, o homem e os meios

O curta Média também pode ser analisado sob a luz de McLuhan, quando este aponta os meios de comunicação como extensões do homem. Para o autor, “estamos nos aproximando rapidamente da fase final das extensões do homem: a simulação tecnológica da consciência” (McLUHAN, 2002, p.17). Nela, o processo criativo do conhecimento se estenderá coletiva e corporativamente a toda a sociedade humana.

Como construção deste raciocínio das extensões, o autor aponta várias esferas que vão desde a palavra falada até a automação. Podemos apontar três com total relevância ao estudo midiático: os anúncios, o rádio e a televisão. Os anúncios relatam o desejo dos consumidores, pois têm origem no “ritmo social” e mostram o produto de consumo como parte integrante dos grandes processos e objetivos sociais. O rádio para McLuhan é uma extensão invisível do homem, pois desperta em todos a noção de criação de imagens, e a associação daquilo que se ouve com aquilo que se conhece:

O rádio provoca uma aceleração da informação que também se estende a outros meios. Reduz o mundo a uma aldeia e cria o gosto insaciável da aldeia pelas fofocas, pelos rumores e pelas picuinhas pessoais. Mas, ao mesmo tempo em que reduz o mundo a dimensões de aldeia, o rádio não efetua a homogeneização dos quarteirões da aldeia. (McLUHAN, 2002, p.344).

Já a televisão exerce uma força sinestésica unificada sobre a vida sensorial de muitas populações, ela exige que a cada nova cena, os telespectadores complementem a trama e, com isso, revela-se como uma grande extensão humana ao envolver e despertar sentimentos no telespectador:

(…) A imagem da TV exige que, a cada instante, “fechemos” os espaços da trama, por meio de uma participação convulsiva e sensorial que é profundamente cinética e tátil, porque a totalidade é a inter-relação dos sentidos, mais do que o contato isolado da pele e do objeto. (McLUHAN, 2002, p.352).

Embora o vídeo de Koutský adote o meio jornal como um ícone para representar a influência da mídia sobre o homem, é possível observar, ao final da narrativa, que todo o mecanismo que alimenta esta relação é, na verdade, um prolongamento dos braços da figura humana retratada por meio de stop-motion (figuras 22 a 25). Trata-se, portanto, de uma imagem emblemática que materializa o estudo de McLuhan dos meios de comunicação como extensões do homem.

Figuras 22 a 25 – Frames do curta-metragem de animação Média.

A animação de Koutský e a convergência

Uma das premissas da discussão de Henry Jenkins sobre convergência está na quebra de um grande paradigma da revolução digital, que presumia que as novas mídias substituiriam as antigas. Para o autor, o novo paradigma da convergência presume que novas e antigas mídias irão interagir de forma cada vez mais complexas:

O paradigma da revolução digital alegava que os novos meios de comunicação digital mudariam tudo. Após o estouro da bolha pontocom, a tendência foi imaginar que as novas mídias não haviam mudado nada. Como muitas outras coisas no ambiente midiático atual, a verdade está no meio-termo. (…) A convergência é, nesse sentido, um conceito antigo assumindo novos significados. (JENKINS, 2008, p.31).

Contudo, o autor alerta para os perigos da concentração de poder na mídia. “Uma concentração que detém os próprios avanços tecnológicos, inibe a competição e coloca as indústrias acima das demandas dos consumidores. Ela ainda reduz a diversidade, essencial em termos de notícias” (JENKINS, 2008, p.316).

Como conclusão do vídeo de Koutský, nosso personagem, após comemorar por alguns momentos a liberdade diante de todos os mecanismos que o mantinham em uma relação de dependência com a mídia, se vê cercado por novos dispositivos, agora representados por computadores, que o ameaçam por meio de mouses simulando tentáculos que, certamente, voltarão a dominá-lo (figuras 26 a 29).

Figuras 26 a 29 – Frames do curta-metragem de animação Média.

Considerações finais

Ao relacionarmos neste artigo a animação de Koutský com diferentes estudos sobre a relação entre comunicação, homem e sociedade, temos a impressão que o vídeo fora encomendado seguindo diretrizes específicas, que fora, literalmente, brifado.

Isto até poderia ser verdade se desconsiderássemos totalmente o histórico acadêmico de Koutský, bem como sua filmografia, sua relação com o departamento de animação da Escola de Artes de Praga, seus depoimentos em relação às oficinas de animação que, sob sua responsabilidade, têm objetivos concretos como incentivar o pensamento criativo dos seus alunos, fazer com que transmitam suas experiências e dúvidas e ainda entendam a animação como “um método de pensar sobre as coisas”. O próprio Koutský complementa: “A animação é tanto técnica quanto ação. É arte e, ao mesmo tempo, visão do mundo”.

A atualidade e a pertinência deste trabalho de Koutský são tamanhas que, além de todas as relações já mencionadas, podemos também agregar a esta reflexão, o conceito de multiplicidade defendido por Arlindo Machado sob a ótica de Italo Calvino. O autor afirma que o escritor italiano reconhecia, dentre as principais características da arte que deverá marcar a virada do milênio, a multiplicidade como um de seus traços mais fundamentais. Para Machado, vivemos hoje uma procura sem trégua desta multiplicidade, uma vez que o mundo é constantemente visto e representado “como uma trama de relações de uma complexidade inextricável”, marcada pela presença simultânea de elementos dos mais heterogêneos (MACHADO, 1997, p.238).

Como não associar esta soma de pensamentos ao vídeo Média de Pavel Koutský? Como não materializarmos a sínteses de todos os pensamentos aqui expostos nos cinco minutos deste curta de animação pensado e produzido por este cartunista, diretor, roteirista e professor que continua oferecendo à sociedade sua visão de mundo por meio de suas animações ?

É reconfortante pensar que neste momento, Koutský pode estar dando vida a outros personagens nas mais diversas situações conflitantes. Ou pode estar também, conforme descrito por seu colega Jirí Barta (em seu texto de homenagem já mencionado neste artigo), em sua pequena casa de campo em Malesov, a aproximadamente 83 quilômetros de Praga, local onde, além ficar com sua família, tem outra dedicação, cuidar voluntariamente de animais abandonados e doentes. Mais uma multiplicidade retratada por Pavel Koutský.

REFERÊNCIAS:

BARBOSA JÚNIOR, Alberto Lucena. Arte da animação: Técnica e estética através da história. 2ª ed. São Paulo: Editora Senac, 2005.

BARTA, Jíri. Pavel Koutský: Prêmio Ciudad de Huesca de Curta-Metragem. 2002. Disponível em: <http://www.huesca-filmfestival.com/cine/contents/E_Homenajeadoficha.asp?id=39>. Acesso em: 07/07/2012.

FERNANDES, Sara. Vídeo de Pavla Koutského. Blog DigArtMédia: Introdução aos Novos Média.2009. Disponível em: <http://digartmedia.wordpress.com/2009/04/10/video-de-pavla-koutskeho/>. Acesso em 03/05/2012.

GUIMARÃES, Denise Azevedo Duarte. O hibridismo do cinema contemporâneo. In: CONTRACAMPO: revista do programa de pós-graduação em comunicação, Niterói, v.13, p. 7-24, 2.º semestre 2005.

JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Editora Aleph, 2008.

KOUTSKÝ, Pavel. Departamento de Animação da FAMU (Escola de Artes de Praga): Oficina de Desenho Animado Moderno. 2012. Disponível em: <http://www.famu.cz/katedry-a-pracoviste/katedra-animovane-tvorby-kat/rozvrhy-a-sylaby-kat/tvurci-dilny-na-katedre/>. Acesso em 07/07/2012.

MACHADO, Arlindo. ­­­­­­­­­­­­­­Pré-cinemas & pós-cinemas. Campinas, SP: Papirus, 1997.

MANOVICH, Lev. “What is Digital Cinema?” Capítulo do livro The Language of New Media. Cambridge: MIT Press, 2002. Disponível em < http://www.manovich.net/TEXT/digital-cinema.html>. Acesso em 07/07/2012.

MÉDIA. Direção: Pavel Koutský. Tchecoslováquia: Secong Frog Animation Group, 1994. Vídeo (05min05seg). Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=EFNndi3122M>. Acesso em 03/05/2012.

McLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensão do homem. São Paulo: Editora Cultrix, 2002.

SILVERSTONE, Roger. Por que estudar a Mídia? 2º ed. São Paulo: Edições Loyola, 2005.

SOLOMON, Charles. The History of Animation. Nova York: Wings Books, 1994.

Sites consultados:

http://www.animamundi.com.br/ (acesso maio 2012)

http://www.huesca-filmfestival.com (acesso julho 2012)

http://www.revistadeartes.com.ar/xxi_cine_animado.html (acesso julho 2012)

http://www.famu.cz/katedry-a-pracoviste/katedra-animovane-tvorby-kat/rozvrhy-a-sylaby-kat/tvurci-dilny-na-katedre/ (acesso julho 2012)

http://www.imdb.com/name/nm0468109/filmotype (acesso julho 2012)

Anexo

Filmografia de Pavel Koutský[5]:

Direção:

Ctyri Lasky (2003)

Kavarna (1998)

Duelo (1997)

Média (1994)

No mys zije! (1993)

Portret (1990)

Posledních 100 let Marx-Leninismu v Cechách (1990)

Animados Auto-Retratos (1989)

Laska nd První pohled (1988)

Curriculum vitae (1987)

Roteiro:

Ctyri Lasky (2003)

Kavarna (1998)

Duelo (1997)

Média (1994)

No mys zije! (1993)

Portret (1990)

Laska nd První pohled (1988)

Curriculum vitae (1987)

Animação:

Atrito (2002)

Média (2000)

Kavarna (1998)

Duelo (1997 / I)

Motýlí cas (1990)

Laska nd První pohled (1988)

Direção de Arte e Fotografia:

Fimfárum 2 (2006)

Laska nd První pohled (1988)

Portret (1990)

Designer de Produção:

Kavarna (1998)


¹ Mestrando do PPGCOM da Universidade Tuiutí do Paraná. Especialista em Marketing pela FAE Business School PR e graduado em Desenho Industrial pela PUC PR. Respondeu pela gerência de comunicação e marketing de empresas do segmento de bebidas, telefonia e nutrição animal, além de prestar serviços como sócio em agências de comunicação integrada. Hoje dedica-se à docência lecionando disciplinas relacionadas ao planejamento de comunicação, comunicação integrada e gestão da comunicação no UNICURITIBA e na UNIVERSIDADE POSITIVO. Email: andsantini@hotmail.com

² Cineasta tcheco, especialista em stop-motion, amigo e colega de academia de Pavel Koutský. Seu texto em homenagem à Koutský compõe o catálogo do Prêmio Ciudad de Huesca 2002, ano em que o cineasta fora homenageado.

[3] Disponível em: <http://www.huesca-filmfestival.com/cine/contents/E_Homenajeadoficha.asp?id=39>. Acesso em: 07/07/2012.

[4] MANOVICH, Lev. “What is Digital Cinema?” Capítulo do livro The Language of New Media. Cambridge: MIT Press, 2002. Disponível em < http://www.manovich.net/TEXT/digital-cinema.html>

[5] Fonte: IMDb (Internet Movie Database). Disponível em <http://www.imdb.com/name/nm0468109/filmotype >.

Acesso em 10/07/2012.

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    mila

    Qual processo de construção da notícia definindo e articulando os conceitos de pauta, reportagem e edição.

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