Dia #1: Mostra SUA 1

Por Lucas Scalon*

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No primeiro dia da 7ª Semana Universitária do Audiovisual, houve a primeira parte da Mostra SUA, com exibição dos curtas-metragens universitários selecionados pela curadoria do evento. Depois, houve um bate-papo com alguns realizadores destes filmes. De uma forma geral, as obras exibidas têm em comum algo que vejo como sintomático no cinema universitário brasileiro contemporâneo: as narrativas, na maioria das vezes, não são fechadas, muitas vezes abrindo espaço para a livre interpretação do espectador e, em grande parte, primando pelo estilo e pela estética do que pela história em si.

Aparentemente pela dificuldade de desenvolver uma narrativa em tão pouco tempo, os realizadores têm preferido não se utilizar da forma clássica de se contar histórias, encaixando três atos definidos em menos de vinte minutos, mas apresentando um recorte do que de fato constituiria em uma narrativa fechada. Isso, claro, se tratando dos curtas-metragens de ficção. Para a exibição, no entanto, dois documentários foram selecionados. O primeiro, A eleição é uma festa, mostra dois concorrentes à vaga de vereador na cidade de Aracaju: Robin e Batman. Os dois chamam a atenção do eleitorado porque de fato se vestem como os personagens dos quadrinhos. É interessante notar como o humor que os dois se utilizam, mesmo sem querer, ironiza a forma como são as eleições no Brasil: a propaganda acaba sendo sempre decisiva – mesmo que, aparentemente, pela perda dos dois candidatos, o poder de quem se utiliza dela seja o principal fator. Em algumas partes do documentário existe uma dúvida do que é realidade e o que é feito para parecer realidade: quando os candidatos posam para a câmera, por exemplo, mas como se fosse algo que aconteceria independente dela. Quando os candidatos, da metade para o final, dão depoimentos sobre a derrota, percebe-se a sinceridade do curta-metragem.

No outro documentário apresentado, Codinome beija-flor, essa linha tênue fica ainda mais evidente quando o diretor coloca um ator dando um dos depoimentos. Todas as outras são pessoais reais que convivem com o vírus do HIV e contam as suas histórias desde quando descobriram o fato até como sobrevivem até hoje com ele. As histórias são tão tocantes e há tão pouca interferência, aparentemente, do cineasta, que é possível parar de prestar atenção no estilo para ser tocado pelas histórias. Segundo o diretor, houve uma seleção dessas histórias a partir de perfis que ele já tinha definido e, dessa forma, ele pode criar o documentário com a forma que desejava, tendo como principal eixo pessoas que convivem bem com o vírus e lutam pela sua visibilidade, assim como para a prevenção, e que não queriam tomar seus casos por um viés moralista. Mesmo a história que foi atuada foi baseada em uma real e, além do ator e do diretor, ninguém sabia que ele estava atuando. Além do supracitado, um ponto em comum entre os curtas exibidos é a representação da solidão. Nos dois documentários, há os candidatos que se sentem sozinhos por terem tão poucos votos. Já no segundo, há a solidão dos personagens quando descobrem/estão para descobrir que estão com o vírus HIV.

Em Nina, há uma reinterpretação da história do Pierrot que se apaixona pela Colombina, mas é trocado pelo Arlequim. No início, a tristeza se dá pela presença de um palhaço – figura essa que, quando não está fazendo rir, cria um efeito melancólico – solitário que, apenas andando no picadeiro, faz com que o espectador se atente a uma das luzes que não funciona corretamente, e que é consertada por ele com a ajuda de uma caixa. Tal caixa se transforma em uma espécie de Caixa de Pandora, quando ele abre e, tentando acabar com a própria solidão, ela só traz desgraças. Em sua metade, no entanto, a narrativa fica de certa forma confusa – talvez assim como os sentimentos do Pierrot – e a resolução não é clara. Três dos curtas metragens trazem o uso do claro e do escuro de forma marcante, para usos estéticos e narrativos diferentes. Corretor é um filme sobre um corretor de imóveis que demonstra os limites da normalidade da vida de alguém. Dessa forma, o contraste entre claro e escuro introduz a diferença tratada no curta em uma representação imagética. Tal efeito também traz o tom de mistério reforçado pelo tratamento sonoro e pela direção, que fazem com que se crie uma grande expectativa sobre o clímax da história, que acaba antes que ele aconteça. Já Pablo usa a escuridão para demonstrar o mundo do personagem cego. O curta pretende-se sensorial (excluindo de certa forma e aprimorando-se nos outros sentidos), mas não consegue ir muito além do quê se vê, ou seja, sua proposta de não ser o visual o mais chamativo do filme não funciona muito bem. Apesar disso, a angústia do personagem por viver no escuro prende o espectador no mundo negro do personagem – não só no sentido do aspecto visual, mas principalmente no medo que o escuro e o silêncio representam. Já em Algo sobre nós, o contraste não se dá nas mesmas imagens/planos, mas na justaposição entre cenas superexpostas e cenas subexpostas. Tais justaposições criam um incomodo que se somam ao incomodo do conteúdo das próprias imagens. Sem roubar a atenção, a banda sonora também se soma a essa sensação e, como explicado pelo realizador, tal tratamento foi intencional, sendo que o som foi um dos primeiros elementos a serem pensados para o filme. Também foi explicado pelo diretor a sua intenção ao incomodar: a sua ideia era demonstrar como a poluição sonoro, visual e do ar toma conta da cidade em que vive. A sua intenção de incomodo foi atingida, apesar de, de certa forma, ela ter sido superior à narrativa e tendo deixado esta um pouco de lado. Para poder parar o tempo mostra a solidão de uma forma universal. Apesar de centrar em uma personagem, Amélia, a narrativa traz elementos – inclusive na própria imagem, mostrando populares – que podem representar os sentimentos de várias pessoas. Da loucura da personagem, ao ter alucinações/sonhos, até a relação com uma mulher, dona do bar em que trabalha, Amélia transita entre as dificuldades das relações interpessoais e os pequenos prazeres da vida – faltar ao trabalho, beijar uma mulher casada, etc. Apesar disso, o curta trabalha mais com momentos do que uma narrativa amarrada, talvez por causa da insanidade da personagem principal. Em Dança da Solidão, curta brevemente baseado no poema Quadrilha, de Carlos Drummond de Andrade, quatro personagens estão envolvidos em uma trama de amor, em que um é apaixonado pelo outro sem ser respondido. Ao se passar em uma igreja, o curta talvez traga uma crítica ao moralismo da instituição, que prega justamente a monogamia ao invés do amor livre. Apesar de algumas óbvias – como a fita na boca e a corda -, o curta tem metáforas ótimas que aparecem quando os personagens literalmente dançam, se esbarram e se amarram entre si em um ambiente metafísico. Uma das cenas mais bem executadas traz todos os personagens tornando-se um só, através de suas sombras, mas nunca se encostando, fazendo com o que o curta seja provavelmente o melhor representante da solidão entre os exibidos. É fato que a conversa com os realizadores ajudam no esclarecimento de algumas narrativas. Mas, de qualquer forma, um filme deveria se encerrar em si. Ou não. Acontece que o espaço da academia é justamente para a experimentação e os curtas universitários têm o direito de trabalhar a narrativa de novas formas e não ficarem arraigados às formas clássicas.

*Lucas Scalon é graduando no curso de Imagem e Som na Univesidade Federal de São Carlos (UFSCar) e editor responsável pela seção Panorama na Revista Universitária do Audiovisual, para a qual  escreve esporadicamente.

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