O cinema Metalingüístico de Rogério Sganzerla

Amanda de Castro Melo Souza*

Cinema Marginal

O cinema marginal teve seu auge no período de 1968-1973, tendo como expoentes cineastas como Bressane, Tonacci, Rosenberg, Sganzerla, Reichenbach, Neville d’ Almeida entre outros. Estes cineastas fizeram o cinema marginal pautado em um radicalismo extremo. Ismail Xavier diz em seu ensaio “O Cinema Marginal Revisado, ou o avesso dos anos 90” que:

“O cinema marginal pisou no acelerador e radicalizou o que já era agressivo e estranhável no cinema feito a partir da estética da fome; e descartou o que já era agressivo e descartou, ao mesmo tempo, certas premissas do Cinema Novo quanto ao sentido de intervenção política”

O Cinema Marginal era uma representação debochada e irônica, sem profundidade política da “guerrilha urbana” que a ditadura era no Brasil daquela época. Porém o próprio Sganzerla cita uma frase de Orson Welles, em seu artigo “O legado de Kane” para o Suplemento Literário d’O Estado de São Paulo, em 1965, que, a meu ver, sintetiza grande parte da idéia central da abordagem do cinema marginal: “os grandes cineastas primam pela enunciação de problemas e não por sua resolução.”, desta forma o cinema marginal entra como denúncia da situação social e política da época, porém em moldes diferentes do Cinema Novo.

Alex Viany, em 1968, publica a declaração de Sganzerla na Tribuna da imprensa: “O novo cinema deverá ser imoral na forma, para ganhar coerências nas idéias, porque, diante desta realidade insuportável, somos antiestéticos para sermos éticos.”. O cinema marginal e sua estética transgressora fazem parte desta linha de pensamento onde a violência estética é a representação da revolta de alguns cineastas.

As personagens centrais do cinema marginal são conformadas, Luz sabe de seu destino e de sua situação, mas o cinema marginal enquanto denúncia o conformismo e prega o movimento da contracultura não pode ser considerado um cinema de conformismos. O cinema marginal é também uma crítica a política cinematográfica do cinema novo.

O cinema metalingüístico de Sganzerla:

Dois estudantes andam pelas ruas e conversam sobre cinema, eles tratam cinema com seriedade, ainda que estejam pobres, eles não deixam de falar de sua paixão pelo cinema. No meio da conversa dos estudantes é citado nomes, como Fuller e Hitchcock, que influenciaram a carreira de Sganzerla. Esta é a linha temática de Documentário (1966), primeiro curta metragem de Rogério Sganzerla.

Imagens de "Documentário".

Documentário é um curta feito por um cinéfilo para cinéfilos, cada diálogo, assim como o cenário, em alguns momentos, remete a grandes paixões de Sganzerla, do cinema às histórias em quadrinhos.

Este curta pode ser considerado como uma premissa da grande obra que Sganzerla irá realizar, assim como um precursor ao cinema, também metalingüístico, de O Bandido da Luz Vermelha.

Em O Bandido da Luz Vermelha (1968) podemos observar várias características e fatos que remetem ao cinema que Sganzerla admirava. A câmera na mão de Godard, os discos voadores de Orson Welles, o mistério sem lógica incluído na trama presente em Buñuel, a narração póstuma semelhante à de Brás Cubas de Machado de Assis, além de incluir citações de Primo Carbonari, peças dirigidas por José Celso Martinez e de José Mojica Marins. Ainda temos como presença do cinema cinéfilo de Sganzerla o suicídio do Luz que se assemelha ao de Ferdinand (personagem de Pierrot le fou, de Godard), ao som do candomblé de Terra em Transe (Glauber Rocha) mixado com o som de Jimi Hendrix.

Sganzerla chega a afirmar, conforme publicado na Tribuna da Imprensa, em 1968:

“Fiz o Bandido da Luz Vermelha porque todos os cineastas que admiro fizeram filmes policias, mas no meio do projeto percebi que não poderia parar, que tinha de incorporar outros estilos sem sair da poesia noturno do policial classe B, para procurar a verdade nos espaços externos do western, nos interiores pobres da chanchada, na estilização musical”.

O Bandido da Luz Vermelha – “Seja marginal, seja herói”

Este grito de orgulho dentro do cinema marginal vê em O bandido da luz vermelha (Rogério Sganzerla, 1968) sua máxima.

“Os personagens não pertencem ao mundo mais ao terceiro mundo”, a infância do Luz cercada pelo lixo onde ele brincava, assim como seus sonhos frustrados são a principal característica deste mundo em que as personagens do filme vivem. O naturalismo a qual o filme nos leva a crer é expresso no destino do Luz que “não simpatizava com os bandidos” mas que devido ao seu fracasso, avacalha.

O bandido diz a Janete Jane: “da vida não quero nada, antigamente eu queria ser grande (…) grande sei lá pra que, queria ser famoso (…) hoje eu sei que sou um coitado, não sou nada” vemos presente nesta fala a consciência do Luz de sua situação, de suas frustrações. Ele mesmo diz em seqüência a esta fala que “quando a gente não pode fazer nada a gente avacalha, avacalha e se esculhamba”.

Cena do filme "O Bandido da luz Vermelha".

O bandido nos é apresentado como os heróis das histórias em quadrinhos, a narração em tom de radiotelejornal, assim como os sons inseridos durante o filme, por exemplo, os tiros das metralhadoras (sons em tom de onomatopéias) ressaltam a admiração e a influência das HQ’s dentro do filme de Sganzerla.

A narração radiofônica, clara influência de Orson Welles, acentua a ironia de sua narrativa. O filme funciona como uma alegoria da realidade do terceiro mundo, mas não é admitido isto dentro de sua narração: “qualquer semelhança com fatos reais ou irreais, pessoas vivas ou imaginárias, é mera coincidência”. O mundo mostrado por Sanganzerla é insustentável e encontra-se a beira do caos. Caos este que nos é apresentado a partir da riqueza de informações que o filme apresenta através dos diversos elementos que o plano revela.

O Bandido da Luz Vermelha é, como o próprio Sganzerla diz em seu Manifesto, durante as filmagens:

“Meu filme é um far-west sobre o Terceiro Mundo. Isto é, fusão e mixagem de vários gêneros. Fiz um filme soma; um far-west mas também musical, documentário, policial, comédia (chanchada?) e ficção científica. Do documentário, a sinceridade (Rossellini); do policial, a violência (Fuller); da comédia o ritmo anárquico (Sennett, Keaton); do western, a simplificação brutal dos conflitos (Mann)”

Em seu manifesto ele também cita importantes influências para sua construção cinematográfica dentre elas: Murnau, Buñuel, José Mojica Marins, Glauber Rocha, Godard, Orson Welles, Hitchcock, Eiseinstein e Nicholas Ray.

Conclusão

“O meu cinema é popular. Não é elitista, decadente ou pedante. Tem apelo popular e algo fundamental que é o ritmo Nossa aristocracia cabocla não aprendeu a rimar. Cinema não se aprende na escola”

(Sganzerla, entrevista ao Jornal de Brasília, 1990)

Seus filmes são considerados muitas vezes como grossos, bossais, e de mau gosto. Porém, sobre Sganzerla, podemos dizer que ele soube aliar sua bagagem cultural, acumulada pela paixão pelo cinema junto com sua relação com a crítica, ao cinema de impacto que conseguiu atingir o público, dentro de suas limitações. Ele diz na entrevista ao Jornal de Brasília, em 1990, que “O Bandido da Luz Vermelha foi lançado em 42 salas de cinema em São Paulo. É um filme que se pagou em uma semana” ele ainda ressalta o sucesso de seus filmes no exterior e atribui o “fracasso de público” a má divulgação “chegaram a esconder seis mil cartazes do filme. Mas mesmo assim O Bandido se pagou, Só os filmes de Mazzaropi conseguiram mais público do que O Bandido da Luz Vermelha”.

“Um filme de cinema de Rogério Sganzerla” ao mesmo tempo em que avacalha com a repressão política da época e prenuncia o Ato Inconstitucional nº5, implantado em 1968, crítica o cinema demasiadamente intelectualizado do Cinema Novo.

*Amanda de Castro Melo Souza é graduanda em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos – UFSCar

Bibliografia

FERREIRA, Jairo. “Rogério Sganzerla: Terremoto Clandestino” in  Cinema de invenção. São Paulo: Limiar, 2000

SGANZERLA, Rogério. Por um cinema sem limite. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2001.

XAVIER, Ismail, 1947-. Alegorias do subdesenvolvimento: cinema novo, tropicalismo, cinema marginal. São Paulo: Brasiliense, 1993

Sites

SGANZERLA, Rogério. O Bandido da Luz Vermelha: Roteiro e Direção. Coleção Aplausos. Imprensa Oficial. São Paulo,2008

Disponível em: http://books.google.com.br/books?hl=pt-BR&lr=&id=kozqL4iqr8EC&oi=fnd&pg=PT5&dq=sganzerla+documentario+%281966%29&ots=w9HqtsIzCj&sig=wDyA7vJy0auubPuXv-GRYlTmUVI#v=onepage&q&f=false

(Acessado em: 13/12/2012)

Dossiê rogério sganzerla > Entrevistas e Depoimetos

Revista Contracampo Edição 58:

Disponível em: http://www.contracampo.com.br/58/index.htm

(Acessado em: 16/11/2012)

Xavier, Ismail. “O Cinema Marginal Revisado, ou o avesso dos anos 90”.

Disponível em http://www.heco.com.br/marginal/ensaios/03_03.php

(Acessado em: 14/08/2008)

Filmografia

Documentário (1966)

Direção: Rogério Sganzerla

O Bandido da Luz Vermelha (1968)

Direção: Rogério Sganzerla

O Galante Rei da Boca (2003)

Direção: Alessandro Gamo, Luís Rocha Melo

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