O TÉDIO E O NADA: UM ENSAIO SOBRE O CINEMA DE SOFIA COPPOLA E CHANTAL AKERMAN

Por: Catarina de Souza Costa

O cinema é popularmente correlacionado a uma experiência de entretenimento, quem vai à sala de cinema ou coloca um filme para assistir em casa, comumente busca por uma sensação de preenchimento. Assim, com o tempo cada vez mais acelerado e pulsante, as produções cinematográficas tornam-se gradativamente mais sedentas de provocar estímulos sensoriais. Entretanto, os filmes das diretoras Sofia Coppola e Chantal Akerman não obedecem a essa aceleração instituída na contemporaneidade. Contrariamente através da escolha estética e narrativa pelo  “cinema da lentidão” e da retratação de uma realidade cotidiana, as diretoras trabalham os elementos do tédio e do nada em suas produções.

O filme Um Lugar Qualquer (2010), dirigido e roteirizado por Sofia Coppola, retrata a vida de Johnny Marco (Stephen Dorff), um ator famoso que vive uma vida confortável, endinheirada e cercada de muitas mulheres. No entanto, a sua vida é monótona, tal como, retrata-se na cena inicial. Com duração de mais de dois minutos utilizando câmera estática, um carro dá várias voltas em torno de um mesmo lugar ambientado “no meio do nada”. Na sequência, Johnny para o carro e sai do veículo, dá alguns passos e olha para o nada, revelando através da cena sua vida repetitiva e tediosa. Entretanto, com a chegada de sua filha Cleo (Elle Fanning), torna-se perceptível que o cotidiano de Johnny ganha algum sentido. Embora isso aconteça, Cleo não quebra com a banalidade da vida de Johnny, apenas adequa-se à monotonia dos dias. À vista disso, o filme exibe cenas dos dois personagens jogando vídeo game, dormindo, dividindo comidas e transitando entre lugares e hotéis. Assim, o espectador é instigado a contemplar o tédio, bem como, se sentir entediado.

O tema do tédio é recorrentemente explorado pela diretora Sofia Coppola, pois é notável a presença de personagens entediados em suas produções. No filme As Virgens Suicidas (1999), as irmãs Lisbon não conseguem se entreter com nada do que a vida as oferece quando finalmente optam pelo suicídio coletivo. Já em Encontros e Desencontros (2003), os personagens Bob Harris e Charlotte são dois americanos que se conectam por estarem ambos entediados e solitários em Tóquio. Em Bling Ring: A gangue de Hollywood (2013), adolescentes entediados com a vida de classe média alta, começam a invadir casas de astros de Hollywood para roubar seus pertences.

Portanto, devido especialmente ao filme Um Lugar Qualquer (2010), a produção estética de  Coppola pode se encaixar no cinema realista. “Podemos classificar, se não hierarquizar, os estilos cinematográficos em função do ganho de realidade que eles representam. Chamaremos portanto, realista todo sistema propenso a fazer aparecer mais realidade na tela.” (BAZIN, 1991, p.244). Logo, o cinema da diretora é uma representação artística da realidade, validada pela demonstração de sentimentos e hesitações reais por meio de seus personagens. Como também, a forma fílmica complementa a unidade realista do subtexto narrativo, ao recorrer ao uso de planos fixos, com longas durações e pouca ação, despertando no espectador a experiência de estar assistindo a algo da realidade cotidiana.

À vista disso, o filme Jeanne Dielman (1975) da diretora e roteirista belga Chantal Akerman, pertence diretamente ao cinema realista. Considerado o melhor filme da história pela revista Sight and Sound na lista da última década, essa obra cinematográfica retrata três dias do cotidiano da dona de casa e prostituta Jeanne (Delphine Seyrig). Sendo contextualizado no pós-guerra, Akerman reflete o caráter sócio político presente no cinema neorrealista de maneira particular, na qual a problemática social que envolve a personagem não é o foco exclusivo do filme, para além disso ela dá ênfase nas particularidades do passar dos dias de Jeanne.  Dessa forma, o espectador é transportado para uma realidade onde nada acontece. Dando importância às ações da vida doméstica, o filme é composto de cenas com longas durações, nas quais a dona de casa arruma a cozinha, corta batatas, prepara refeições, toma banho, passa roupa, prepara a mesa para o jantar e come com seu filho. Quando recebe seus clientes, constitui-se no filme o único momento em que a montagem é mais rápida, os cortes transportam Jeanne para outro tempo-espaço. Entretanto, a câmera permanece sempre estática e a diegese sonora é composta por poucos barulhos e muitos silêncios, dando ao espectador sensação de “coisa nenhuma”.

O modo repetitivo e a longa duração das ações, podendo elas terem grande significância ou não, faz de Jeanne Dielman o retrato da realidade em sua forma integral. Consequentemente, as tarefas realizadas diariamente por Jeanne acabam dando errado e a personagem hesita sobre quais atitudes tomar, as batatas queimam e o café precisa ser refeito. Surge uma atmosfera de ansiedade, na qual finalmente a montagem permite que possa ser vista a cena íntima da personagem ao receber seu cliente, em que Jeanne goza em um sexo forçado e, acometida de vergonha, ela mata o seu cliente. 

A última cena mostra Jeanne ensanguentada contemplativa, a cena tem uma longa duração e continua em plano aberto. Segundo Ivone Margulies, a insistência de Akerman “[…] em fazer durar a cena, para além do entendimento da mensagem narrativa ou referencial, requer inevitavelmente uma experiência distanciada da imagem” (MARGULIES, 2016, p. 144). Portanto, mesmo em um momento de uma grande ação no filme, mantém-se o ritmo estabelecido desde o início. Ao espectador cabe entender aqui a realidade como ela é, tudo é tão real que cabe a ele a ação simplória de assistir.

Outro aspecto a se considerar tanto em Jeanne Dielman como em Um Lugar Qualquer é o pertencimento ao chamado “cinema de lentidão” ou slow cinema. Ambos os filmes dialogam com as temáticas do tédio e do nada, que colidem com o modo acelerado, consumista e multissensorial da contemporaneidade, “Desacelerar, aqui, implica transformar a natureza temporal desse atravessamento entre sujeito e campo do sensível.” (PINTO, 2021, p.30). Portanto, os elementos do tédio e do nada articulam-se com a hesitação, que não se baseia no automatismo dos estímulos, mas na lentidão fílmica, desenvolvendo assim a possibilidade de escolha entre a ação e a resposta. 

Com isso, percebe-se que mesmo causando estímulos alheios ao que se espera na contemporaneidade, esses filmes provocam o espectador a compreender sua real significância. A escolha de produzir filmes lentos, por Sofia Coppola e Chantal Akerman, denota a eficiência das duas diretoras em manipular a realidade, ou seja, em fazer cinema. O elementos do tédio e do nada podem ser formas exitosas na constituição do filme, pois carregam um forte elemento de sensibilização para seus espectadores, proporcionando a experiência de observação da realidade na sua maneira mais genuína de ser e, ainda, concedem à estrutura fílmica a capacidade de imitar a vida sem grandes idealismos ou abstrações. Assim, os filmes de Sofia Coppola e Chantal Akerman continuarão lentamente conflitando e subsistindo com a contemporaneidade.     

Referências

BAZIN, André. O cinema: ensaios. São Paulo: Brasiliense, 1991

JUNIOR, Luiz Carlos Oliveira. A estética de absorção no cinema contemporâneo. C-Legenda-Revista do Programa de Pós-graduação em Cinema e Audiovisual, v. 1, n. 38-39, p. 138-159, 2020.

MARGULIES, Ivone.  Nada acontece: o cotidiano hiper-realista de Chantal Akerman.  São Paulo: Edusp, 2016

MIRANDA, Moema da Silva de. Construção de espaços no cinema: os não-lugares nos filmes de Sofia Coppola. 2014.

PINTO, Eduardo Brandão. Ética do Slow Cinema: Lentidão e hesitação no cinema contemporâneo. Aniki: Revista Portuguesa da Imagem em Movimento, v. 8, n. 2, p. 24-47, 2021.

Filmografia

Um Lugar Qualquer. Direção: Sofia Coppola. Estados Unidos, 2010. (97min)

Jeanne Dielman (Jeanne Dielman, 23, quai du commerce, 1080 Bruxelles). Direção: Chantal Akerman.  França, 1975. (261 minutos)

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