O teste e a vítima nos filmes “Da janela do meu quarto” e “Rua de mão dupla” de Cao Guimarães

Diogo Costa é graduando em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

A existência da criatividade e do inovador na linguagem cinematográfica de Cao Guimarães valida-se como obra pelo caráter de teste. Em “Da janela do meu quarto” (2004), Cao propõe inserir estética e beleza em uma simples brincadeira de criança; transpor o relato em arte. Já em “Rua de mão dupla”(2004) encontra o distanciamento do personagem, vítima do documentário, do documentarista, ao vermos gravações feitas pelos próprios documentados sobre a vida de alguém que não conhecem. Ambos os filmes são exemplos de testes sobre as possíveis esferas que o cinema ainda não havia ambientado. Forma-se, então, mais uma inflexão na história do cinema, evidenciando o teste como uma nova forma de se enxergar o universo fílmico e sua linguagem.

Disso, dois indícios se tornam necessários de maior explanação para que a obra de Cao Guimarães seja melhor compreendida, quais sejam: o caráter de teste e o documentado como vítima do documentário. Sendo este mais amplo e abrangente do que a questão de teste, inicia-se a discussão, portanto, visando a priori maior objetividade e menor generalização, através do caráter de teste.

O termo teste indica algo que ainda não é tradicional e utilizado na sociedade,  e que a partir de um experimento pode ser elevado ao uso cotidiano ou ao esquecimento. O teste pode ser parâmetro para um estudo mais aguçado do cinema e, assim, servir de fomento a novas obras na área. Esse é o caso de Cao, o caso da obra como teste, buscando liberdade e independência das amarras do cinema tradicional.

Em “Da janela do meu quarto”(2004) e “Rua de mão dupla”(2004) aquilo que se sobressai é a idéia de Cao como um diretor experimental que conseguiu independência e liberdade para poder inovar com filmes originais; “filmes fiéis apenas ao seu impulso criativo”(ESCOREL,2010), como atesta Eduardo Escorel sobre o realizador. A simples idéia de mostrar a brincadeira de criança como um relato artístico, como um registro do cotidiano em um panorama etéreo, é libertadora. Ou mesmo, na fuga do documentário clássico para uma instância em que o documentado não fala mais de si, mas do outro. Nesse caso de “Rua de mão dupla”(2004), a alteridade do personagem/documentado é o ponto-chave para a discussão desse como vítima do documentário e do documentarista, principalmente.

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A linha tradicional que prevalece nos documentários atuais, com entrevistas, câmera na mão e intervenção do diretor nas falas dos entrevistados e na própria construção do quadro, tem sua gênese na década de 60. Todos esses elementos, como muitos outros não abreviados acima, criam um imaginário no público documentário muito mais intimista e próximo dos temas relacionados; o que manifesta uma necessidade nessas últimas cinco décadas a uma maior discussão da ética dentro do documentário e do que se é criado, sob qual perspectiva e voz coloca-se o tema e o entrevistado. Sendo nesse esquema que o documentado se encontra como vítima; sem domínio sobre a manipulação de imagem e fala suas,ficando à mercê da melhoria estética, formal e do conteúdo da obra. Nisso, ao inverter a forma clássica e ao colocar o documentado falando do outro, esse não mais se amarra tanto a mentiras e falsidades sobre si mesmo, e a verdade transparece muito mais clara. Mesmo assim, a obra vitimou tanto o outro ao olhar desse, quanto esse ao olhar do outro.

Com isso, observa-se que a transferência do domínio da câmera, antes nas mãos do diretor, agora nas mãos do próprio documentado, inverte a própria questão da alteridade que antes dominava os principais documentários não só nacionais. O documentarista exercia uma opção por um valor que descartava os outros, tornava os parâmetros intolerantes, segundo seu universo e ideologia, e tinha, logo, o domínio de um sistema paradigmático, segundo Comolli (COMOLLI,2008). Transferindo-se, portanto, todo esse esquema para a responsabilidade do documentado com a câmera, Cao insere o paradigma às custas de seu objeto. Porque, mesmo que esse se sinta mais à vontade, a partir do momento em que o objeto a ser discutido é o outro, ainda se encontra como vítima; justamente por ainda pertencer ao motivo do documentário, adquirindo uma forma de “pseudo-objeto”. Esta ilusão de não estar sendo representado advém da câmera estar em suas mãos e do poder da palavra, propriamente dita, também estar no seu controle. Assim, em “Rua de mão dupla”(2004), há a conseqüente alternância do documentado variar sua posição de vítima sendo ou “objeto”, ou “pseudo-objeto” do documentário.

Não me comprometo a partir das passagens acima defendidas a ter feito uma análise completa de Cao Guimarães e suas obras “Da janela do meu quarto” e “Rua de mão dupla”;. Mas proponho os termos teste e vítima por serem coerentes à obra do diretor e passíveis de um estudo que se possa transbordar ao cinema como um todo. Até porque não espero de Cao um cineasta, mas um artista visual que inova e se utiliza do teste como meio para a busca de um pensamento sobre um novo cinema e uma nova forma de se olhar.

Bibliografia:

COMOLLI, Jean Louis.Ver e Poder.ed. UFMG, 2008.

Blog ESCOREL, Eduardo: http://www.revistapiaui.com.br/blog/questoes_cinematograficas/capa.aspx

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