PopPorn Festival

*Por Henrique Rodrigues Marques

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“Corpo são, mente insana”. Esse é o slogan que diz de forma eficiente e sem meias palavras a que veio a terceira edição do festival PopPorn: promover um diálogo livre e saudável sobre todos os elementos que compõe o mundo da pornografia e da sexualidade. O evento em forma de virada aconteceu em São Paulo entre os dias 8 e 9 de junho e reuniu uma série de filmes, debates, workshops e intervenções artísticas que exploravam o polêmico tema. O local escolhido para ser a casa do evento não podia ser mais adequado: a Trackers, um dos principais recintos da cultura independente em São Paulo atualmente, localizada na Rua Dom José de Barros, região que abriga também muitos cinemas pornôs.

O festival, que nasceu de uma ação entre amigos em meados de 2011, só foi possível nas suas duas últimas edições graças ao patrocínio do público, através do site Catarse. A lista de 214 apoiadores que permitiu que a edição desse ano ocorresse é a prova de que existe muita gente interessada em debater pornografia. E eu, enquanto espectador que acompanha o festival, fico feliz em o vê-lo crescendo e ganhando forma tão rapidamente. Sinto que a cada ano o evento ganha público, ao mesmo tempo em que diminui o número de desavisados que buscam no evento apenas uma boa sacanagem recreativa.

Mas o público do festival não se limita aos interessados em cultura pornográfica. A lista de filmes selecionados, além de vasta, era bem variada acentuando a celebração a diversidade que o festival defende, contando com longas e curtas, filmes explícitos, softs, experimentais, gays, fetichistas, feministas e até mesmo documentários. Sendo assim, a programação se mostrou um prato cheio para cinéfilos em geral, já que o evento proporcionou a oportunidade rara de se ver alguns filmes badalados que não tiveram lançamento no Brasil. Dentre eles, vale menção o chileno “Joven y Alocada”, estreia de Marialy Rivas na direção e vencedor de um prêmio de roteiro no ano passado, que conta a história de uma jovem evangélica que cria um blog para compartilhar suas histórias e crises sexuais; “Tumbledown”, filme mais recente do cultuado diretor Todd Verow; e o documentário “Uncle Bob”, que investiga a vida de Robert Oppel, célebre artista e ativista gay que durante os anos 70 atravessou nu o palco da entrega do Oscar, através das lentes de seu sobrinho. Outros destaques foram a sessão de curtas nacionais e o panorama de curtas do Bike Smut, festival iniciado em 2007 na cidade de Portland nos Estados Unidos, que conta com curtas pornográficos envolvendo o universo do ciclismo e que permite a exibição de seus filmes apenas em projeções públicas. Foi ainda no Bike Smut que a PopPorn encontrou inspiração para sua identidade visual desse ano, que acabou culminando numa inusitada “Pedalada dos Bike Sexuais”, que atravessou São Paulo, da Vila Madalena ao Centro.

Apesar das infinitas possibilidades a serem apreciadas na seleção de filmes, é no setor de debates e workshops que o festival desenvolve todo seu potencial. Debatendo importantes questões relacionadas à sexualidade, como a construção de gêneros e as relações de prazer envolvendo corpo e dor, o festival analisa a contribuição da pornografia para uma maior aceitação social dessas questões. E a curadoria não tem medo de se arriscar na hora de convocar os participantes de suas mesas redondas: sociólogos, artistas, prostitutas, empresários do mercado de produtos eróticos, atores pornô e público. Todos participam do debate que acontece de forma horizontal e bem saudável, gerando discussões tão produtivas que acaba ficando difícil encerrar o assunto no horário previsto. Além disso, todo o ambiente é bem acolhedor e os envolvidos estão sempre dispostos a continuar a conversa no bar da Trackers, ou enquanto você aguarda o início da próxima performance artística.

Nesse contexto, os workshops acabam compondo uma relação complementar junto aos debates. Se na sala de discussão o visitante ouve e expressa opiniões em relação à indústria pornográfica, nos workshops ele é convidado a vivenciar um pouco o mecanismo de produção de alguns setores desse mercado, como a fotografia fetichista, a dança erótica e até mesmo a criação de uma produção pornô de verdade.

 É inegável que a popularização da pornografia, graças à internet, ajudou, mesmo que indiretamente, na diminuição de preconceitos com práticas sexuais, como o swing e o S&M, e no debate sobre o orgasmo feminino. A possibilidade de anonimato que a internet proporciona, além da sua contribuição para a difusão da pornografia, acabou por criar novos públicos e reestruturar esse mercado. Qualquer pessoa pode consumir um produto pornográfico sem o constrangimento de ir aos locais que vendiam esses produtos estigmatizados pela sociedade. Sendo assim, esse novo público passou não só a consumir, mas a influenciar na produção desse nicho. Esse fenômeno, por sua vez, foi o responsável por causar o fim da ditadura heterossexual masculina tradicional na pornografia. Atualmente, não é preciso muito tempo de pesquisa para se encontrar filmes pornôs feitos especificamente para mulheres, gays ou bissexuais. Além disso, popularizou-se a mídia do pornô alternativo, com seus vídeos amadores, onde qualquer um pode ser pornstar. Essa revolução sexual acaba transbordando para outras mídias, como a televisão. É enorme a quantidade de programas televisivos ao redor do mundo, em canais pagos e abertos, que se voltam abertamente à discussão sobre sexo, fetiches e outras questões. Tudo o que você sempre quis saber mas não tinha pra quem perguntar e onde procurar, agora está acessível a qualquer um e ninguém precisa ficar sabendo. Todas essas grandes e importantes mudanças, acabam por inserir a pornografia e o debate sobre sexualidade de forma mais ativa no dia-a-dia.

É por isso que em tempos em que assuntos como identidade sexual, liberdades individuais e censura são tão urgentes, a existência de um festival como o PopPorn se torna fundamental, já que sua existência, crescimento e fixação podem auxiliar nesse debate, assumindo um papel informativo e até mesmo educacional dentro da sociedade. Saí de lá mais esperançoso quanto ao futuro dessas questões e pelo surgimento de mais festivais como o PopPorn: democrático, questionador e livre.

* Henrique Rodrigues Marques é estudante de Imagem e Som na Universidade Federal de São Carlos e editor da RUA.

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